Culinária anarquista


Pode ser que seja só uma fase, pode ser que seja por falta de dedicação exclusiva, pode ser qualquer coisa, só sei que quando estou cozinheiro, me divido entre o reacionário que faz pratos do dia-a-dia onde não é necessário acompanhar a leitura de receitas, a base delas está na cabeça (salvo aquela massa que o avançar da idade me faz esquecer as quantidades) e o anarquista que gosta de experimentar pratos sem dosagens padronizadas, misturando temperos e modelos, quase sempre ao som de um belo clássico de roquenrou. E com tempo, é claro, nada de pressa para a hora de servir! Não consigo ser progressista na cozinha. Não há como me sentir á vontade em receber uma receita nova, e, sem contestar ingredientes ou quantidades, reproduzí-la como me foi entregue. Tô fora.

Por isso não me aventuro muito nas sobremesas, pois doces são processos de alquimia que precisam ser perfeitamente dosados e elaborados em sequências em que os ingredientes se acasalem e não se estapeiem. Está nos meus objetivos de médio prazo dominar meus impulsos anarquistas e me aventurar na disciplina daqueles que “São pacientes, assíduos e perseverantes. Executam segundo as regras herméticas. Desde a trituração, a fixação, a destilação e a coagulação…” segundo o velho Jorge Ben (*), hoje Benjor.

Pois eu andava com uma besta vontade de fazer umas experimentações com o feijão branco. Cris, que me puxa de volta dessas viagens (é a função dos mestres), sugeriu outras opções de almoço para o domingo. Acatei e larguei a idéia original, mas depois do café da manhã do domingo, e com o Led Zeppelin tocando na cozinha, uma variante às ideias anteriores se consolidou e saiu um almoço que gostei muito. Um lombinho de porco no feijão branco com couve à mineira, farofa e arroz.

Sem padronização, vou registrar aqui para quem quiser, e, principalmente, para mim mesmo, caso deseje refazer o cardápio, a trilha por onde andei. Não me peça o trilho, esse é muito preciso, não registrei, vamos em frente pela trilha mesmo. ;-)

Lombinho de porco. Usei 200g por pessoa. Funciona justo se os comensais estiverem na média etária, de gênero e de peso da população brasileira. Vale à pena pensar na possiblidade de sobrar um pouco para o almoço de segunda-feira, portanto, 300g teria sido melhor, apesar de todos terem repetido e ainda ter sobrado uma porção. A carne foi marinada com limão, vinagre, vinho tinto, tomilho fresco, louro, alho, pimenta do reino branca e preta e sal. Na panela alta, foi selada/frita até que o fundo começasse a dar umas queimadinhas. Aí joguei um pouquinho (pouco mesmo) de água, o resto da marinada, cebola picada, pimentão amarelo em tiras fininhas, pimenta dedo-de-moça em tirinhas, dentes de alho inteiros, mais tomilho e deixei cozinhando por 45 minutos, umas dez músicas do Led Zeppelin, infelizmente não mais com o Bonham pai (**) na bateria, mas o filho Bonham não deixa a peteca cair.

Ao mesmo tempo, o feijão branco já estava sendo preparado na panela de pressão. Ficou de molho uma hora e entrou acompanhado de um pedaço de costela suína defumada e três folhas de louro. Tempo padrão de cozimento até a penela apitar em Stairway to Heaven e depois mais uns vinte minutos em fogo baixo. Depois foi refogado com poucos cubinhos de bacon, cebola picada (muita) e alho amassado (sem medo de ser feliz). Aí ele volta para o fogo baixo, com cenoura em rodelas.

É nessa hora que a noiva, quero dizer, a peça de lombinho cheirosa e deliciosa, sai da sua panela e é colocada junto com o feijão. Leva de dote o caldo do tempero em que estava se banhando e as partes inteiras de temperos, exceto as hastes e galinhos do tomilho que tenham ficado intactos. Na panela do feijão branco, agora com o lombinho, pode pingar um pouco de pimenta, depende do gosto, e deixar cozinhar por mais meia hora. Cuidado com o caldo do feijão, que deve ficar grosso, mas não deve secar, sem trocadilho.

Farofa e arroz são só meros acompanhantes, menores, como padrinhos de casamento. Mas não podem ser esculhambados, vale uma caprichadinha, e não é difícil, certo? A couve é a tradicional, à mineira, que foi servida envolvendo a peça de lombinho, à parte do feijão. Para beber, uma cervejinha lager bem gelada, pois nessa época, o clima do Rio na hora do almoço, quase impõe essa opção. Ok, pode ser com sucos e refrigerantes. Tá bom, até água.

Bom apetite! ;-)



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