Homens de verdade respeitam prostitutas


Imagem: Kaka - Real men dont buy girlsNo dia seguinte à vitória do Brasil contra o Chile na Copa do Mundo, os titulares descansavam no Campo de Concentração que Dunga escondia suas vergonhas. Depois do almoço, talvez durante a sesta, por volta de 14:30, hora local na África do Sul, o Kaká (@RealKaka) pega seu Blackberry e manda para o Twitter uma mensagem apoiando a campanha do ator norte-americano Ashton Kutcher (@aplusk) contra a prostituição. Ele publicou a foto ao lado e escreveu: “Participando oficialmente da campanha “Homens de verdade não compram mulheres” do @aplusk, contra a prostituição.” Cinco minutos depois ele traduziu sua mensagem para o inglês e publicou, novamente com o link para a mesma foto: “Being part of @aplusk campaign “Real men don’t buy girls” against prostitution.”

Naquele mesmo dia, no início da noite aqui no Brasil, Dona Gabriela Leite (@gabrieladaspu), Líder do movimento de prostitutas e contra a Aids, fundadora da ONG Davida, no Rio, da Rede Brasileira de Prostitutas e da Daspu (com tanta atividade, aposto que agora também, ex-prostituta) publicou no seu Twitter uma resposta para o Kaká: “Prostitutas não se vendem, Kaká. São especialistas em fantasias. Compre a nova camiseta Daspu: Homens de verdade respeitam prostitutas.”

Antes da mensagem da Dona Gabriela, Kaká retuitou os agradecimentos do Ashton Kutcher e de sua esposa, Mrs Kutcher (a atriz Demi Moore), pela sua adesão à campanha. Mas não deu bola para a mensagem de Dona Gabriela. No dia seguinte, Dona Gabriela mandou outra mensagem para o Kaká, desafiando-o a aderir a outro movimento, foi assim: “@Kaká, que tal iniciar uma campanha para o fim da violência contra as mulheres.” Essa mensagem também ficou sem resposta do Kaká. Do dia 29 até o dia 7 de julho, Kaká ficou mudo no Twitter, curtindo a fossa da derrota na Copa. Na volta, ele nem tocou mais no assunto prostituição. Dona Gabriela, lá no Twitter, também esqueceu o Kaká e foi tratar da vida dela. Ela está engatinhando no Twitter, segue 17 pessoas, é seguida por 84 e só postou 69 tuítes (até essa publicação – é coincidência, juro!). Kaká tem números de craque. Já postou 657 tuítes, tem mais de um milhão e trezentos mil seguidores e segue 135 pessoas.

Pelo título deste post, nem preciso dizer que o Pô, meu! apoiou Dona Gabriela no Twitter e retuitou sua mensagem para o Kaká dizendo que Homens de verdade respeitam prostitutas.

Esse acontecimento foi minúsculo na vida das pessoas e do Twitter. Mas outro acontecimento que tem forte ligação com esse enredo, vem se desenrolando (e enrolando gente) há vários meses e ainda não acabou. Ele é grande, mas vou sintetizar na cronologia abaixo:

13 de outubro de 2009
Eliza Samudio denuncia Bruno Fernandes das Dores de Souza, ou simplesmente Bruno do Flamengo, por sequestrá-la, mantê-la em cárcere privado e obrigá-la a tomar medicamentos com o objetivo de abortar a criança que possivelmente poderia ser filho de ambos.

14 de outubro de 2009
A Delegacia Especial de Atendimento a Mulher (Deam) seguiu com os procedimentos, deu continuidade ao inquérito, colheu depoimentos e produziu provas técnicas, como o laudo do exame de corpo de delito e de alcoolemia.

19 de outubro de 2009
A juíza Ana Paula Delduque de Freitas, da Vara de Violência Doméstica de Jacarepaguá (Rio), negou o pedido de proteção para Eliza, alegando não ter competência para julgar a questão. Recentemente ela se justificou dizendo que, no seu entender, o caso deveria ser analisado pela vara criminal e não pelo Juizado de Violência Doméstica, por considerar que Eliza e Bruno não tinham relação de afeto e familiar. Ana Paula Lembrou que, em depoimento, a própria Eliza disse ter “ficado” com Bruno. Disse a juíza:

— O fato de ser mulher não significa que se pode enquadrar na Lei Maria da Penha, voltada para vítimas de violência doméstica. Uma família não é um homem e uma mulher que se encontraram uma noite, e ela eventualmente vai ter um filho dele. Mas, como era um caso grave, mandei para a vara criminal — disse ela. — Não se trata de preconceito. Algumas feministas estão dizendo que eu fui preconceituosa.

Ela é contestada pela Secretaria de Políticas para Mulheres – RJ. Segundo a SPM, o artigo 5°, inciso III da Lei Maria da Penha caracteriza como violência doméstica “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação”. “A legislação não estipula o tempo da relação, porque a violência doméstica e familiar contra a mulher se configura por meio de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral ou patrimonial. Qualquer relacionamento amoroso, portanto, pode terminar em processo judicial com aplicação da Lei Maria da Penha, se envolver violência doméstica e familiar contra a mulher e violar os direitos humanos”.

28 de outubro de 2009
O pedido de proteção foi para a central de distribuição de processos do Fórum de Jacarepaguá e, de lá, para a 1ª Vara Criminal da comarca.

16 de novembro de 2009
O juiz Marco José Mattos Couto o remeteu ao Ministério Público (MP), para a instituição requerer a medida que entendesse cabível.

13 de janeiro de 2010
O promotor Eduardo Paes Fernandes, que atua junto à 1ª Vara Criminal de Jacarepaguá, encaminhou o caso à 1ª Central de Inquéritos do MP, que distribuiu o processo para o promotor de Justiça responsável.

10 de Fevereiro de 2010
Nasce o filho de Eliza. Bruno não reconhece a paternidade.

2 de março de 2010
O pedido de proteção chegou ao promotor Alexandre Murilo Graça, da 17ª Promotoria de Investigação Penal, que cuida dos casos das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deams) do Centro e de Jacarepaguá, além de outras quatro delegacias especializadas. O promotor concordou com a decisão da juíza de não conceder a proteção dentro da Lei Maria da Penha e pediu à Deam que apenas juntasse a peça ao inquérito. Afirmou o promotor:

— Não é o caso de violência doméstica.

21 de maio de 2010
O promotor Alexandre Murilo Graça solicitou à delegacia peças técnicas faltantes e os antecedentes criminais de Bruno. Os documentos foram enviados à procuradoria, exceto o exame de urina de Eliza, que alegara ter sido obrigada a ingerir remédios abortivos.

05 de junho de 2010
Eliza avisa às amigas que vai para Minas Gerais a pedido de Bruno para acertar a situação da paternidade da criança.

24 de junho de 2010
Polícia recebe denúncia anônima de que Eliza teria sido morta no sítio de Bruno em Minas Gerais.

26 de junho de 2010
Polícia encontra o filho de Eliza na casa de uma amiga da esposa de Bruno. Eliza continua desaparecida.

6 de julho de 2010
– Adolescente J., primo de Bruno, diz à polícia que Eliza está morta.
– Finalmente o MP recebe o laudo de exame de urina de Eliza (material colhido em outubro de 2009).

07 de julho de 2010
MP ofereceu denúncia contra Bruno e Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, por lesão corporal e cárcere privado. (N.E. referente ao sequestro do ano passado)

Hoje já é dia 15 de julho e todos estão acompanhando os últimos passos desse caso, quer estejam curiosos, quer somente assistam a programação da TV. E o que a campanha do Ashton Kutcher, apoiada pelo Kaká e contestada por Dona Gabriela tem a ver com um ou alguns maníacos e criminosos?

Eliza não era somente uma “Maria Chuteira” que busca um casamento rápido, no máximo de um ano, para poder receber pensões altíssimas depois do divórcio com o craque. Muito menos ela poderia ter alguma relação de paixão pelos ídolos como as tradicionais groupies das bandas de rock.

Certamente, Eliza era prostituta.

E daí? Qual o problema?

Mesmo que o Bruno não fosse o grande ídolo de uma nação (rubro-negra), e olhe que as nações, por patriotismo, protegem seus ídolos, o mundo teria dado as costas para a denúncia de sequestro, cárcere privado e indução ao aborto feito por uma mãe, mesmo sendo mãe solteira? E se ela fosse filha de um dirigente do Flamengo, a juíza Ana Paula diria que não era caso para a Lei Maria da Penha? E se o provável pai fosse um pagodeiro ou rapper e a Eliza filha de um promotor, o laudo do exame teria ficado engavetado mais de oito meses? Se ela não tivesse desaparecido (morrido?) o laudo estaria engavetado até hoje (para sempre?). Será que pesou “Eliza ser puta”, “atriz pornô” e não ser da “mesma classe” dos outros personagens dessa história triste? Será que por isso não merecia o “mínimo de respeito”?

Lamentável, lamentável!

Imagem: Scarlet Alliance protestaCom a licença de Dona Gabriela, homens de verdade respeitam prostitutas. Corruptos se vendem. Até alguns jogadores e dirigentes de futebol, policiais, promotores, juízes, políticos e outros se vendem. No mundo inteiro prostitutas não são respeitadas, salvo raras exceções. Sofrem até quando a justiça, em muitas ocasiões, entende que mesmo quando sofrem violência sexual, não consideram seus agressores como estupradores. Afinal, elas são “putas”.

Hoje é o Dia Internacional do Homem. Deveríamos nos envergonhar, homens, de praticar tanta violência contra as mulheres. Violência representada tanto pela condenação a morte por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani quanto pela estupidez do sexo forçado com a esposa. Enquanto não conseguirmos respeitar as prostitutas, não conseguiremos respeitar nossas próprias mulheres.

P.S.1) Este texto não é uma apologia à prostituição. Não concordo com mulheres e homens se prostituindo nas ruas do mesmo jeito que acho um absurdo um corretor de imóveis usar parte da calçada colocando uma mesa para trabalhar ou um camelô vender produtos sem nota fiscal ou até mesmo roubados.

P.S.2) Tenho muitas outras coisas para falar sobre esse tema, mas já me excedi. Deixo o que mais for preciso ou possível falar para a área de comentários.



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6 Comentários

  • Luiz Carlos de Moura disse:

    Tslvez o caso Bruno, venha influir beneficamente em favor das prostitutas, dando-lhe uma garantia em seu local de rabalho e punir os exploradores. Infelizmente no Brasil acontece varios casos Bruno por dia, mas não está na midia. Ontem, 05/08/2010, apresentei um trabalho sobre a violência contra as prostitutas em um SIMPOSIO de saude que aconteu em minha cidade, resultado satisfatório.

    • Nelson Correa disse:

      Olá Luiz Carlos,

      Obrigado pela sua visita e mais ainda, por você ter dado sua opinião. Toda violência deve ser combatida. Mas a violência nascida de preconceito, além de combatida, deve ser fortemente repudiada. Que legal que você ajuda aí na sua cidade.

      Volte sempre que quiser. Sinta-se em casa.

      Abraços e sucesso,
      Nelson

  • Chantinon disse:

    Dessa vez eu parei de ler pela metade. Eu simplesmente abomino o twitter. E a vida alheia, é algo que não me interessa, e ponto.
    Twitter é como o bolsa familia, faz muito barulho, mas em Pernambuco que é o estado mais beneficiado essa obra do ilusionismo representa 0,3% do PIB.
    Fim da prostituição é uma piada. Basta lembrar que o mercado pornográfico é um império. Bastava apenas que as leis fossem cumpridas, ou seja, matar ou espancar pessoas não fosse algo banal.

  • Luiz Carlos de Moura disse:

    Muito origado pela resposta.

    Estou escrevendo o meu artigo de conclusão decurso, com o tema COMO VIVEM AS PROSTITUTAS, acredito em fazer um bom trabalho, portanto se tiver material que possa contribuir, fico muito agradecido.

    Abraço. Luiz

    • Nelson Correa disse:

      Oi Luiz Carlos,

      Sucesso no seu trabalho de conclusão de curso. Infelizmente essa não é a nossa especialidade e só podemos contribuir com opiniões como a desse artigo.

      Grande abraço,
      Nelson

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