Estou feliz

Vista que tenho do escritório de trabalhoQuando comecei com essa vida de cigano, me confortava acreditando que o melhor de viajar era a alegria de voltar. Hoje, depois de mais um retorno, tenho a convicção que a alegria de voltar é mais um dos prazeres de ser um viajante, não o único. Minha vinda para o Rio, apesar de ser para uma nova cidade – o Rio que vivi antes era diferente desse – me traz de volta amigos que não compartilhava momentos há muitos anos. É esse o prazer do retorno.

Tenho sido bastante observador, aliás essa é uma das minhas características mais marcantes, apesar da Cristina se aborrecer quando não reparo que ela cortou aparou o cabelo. E o Rio tem me apresentado facetas que, ou eu havia esquecido, ou são realmente novas. Uma delas é a indústria da distribuição de papéizinhos no centro da cidade. Meu Deus! Dezenas, talvez centenas de pessoas (homens, mulheres, jovens e idosos) paradas nas calçadas superlotadas do centro, chacoalhando um papelzinho de propaganda em uma das mãos, batendo contra o bolinho dos mesmos papéis na outra mão (plec-plec-plec ou seria chac-chac-chac?), freneticamente, até você chegar próximo. Nesse momento, eles estendem a mão na sua frente para que você pegue o papel com a propaganda. Tenho feito vários testes por dia, desde que mudei para cá, e 100% das vezes que me recusei a receber o spam pegar o papel, o braço foi recolhido à velocidade da luz e nunca ouve um choque frontal. Impressionante.

Junto com spammers de papéizinhos, camelôs vendendo “barrão” (barra de chocolate grande, nada escatológico) por um real e três barrinhas de cereal por dois reais, existem as funcionárias uniformizadas de uma financeira de um grande banco com nome parecido com refrigerante (a financeira, não o banco) pegando as pessoas pelo braço, literalmente. Contato físico gente! No Rio, apesar de acontecer de homens enjambrados se assustarem com o contato físico direto, no final ninguém se aborrece e até acha natural. Acho que elas sabem que ando devendo muito e não tenho mais condições de levantar crédito em lugar nenhum que nunca pegaram no meu braço para oferecer nada. :-)

Outra coisa que me chama a atenção, fora táxi pirata, não parar em sinal vermelho sempre que possível (farol em paulistês), ajudante de motorista gritando pela porta aberta da van pelas ruas o destino do “coletivo”, estacionar em fila dupla ou sobre calçadas e fechar cruzamento, pois isso eu já conhecia quando vinha para cá como “viajeiro”, foi como o motorista do Rio é tímido no trânsito. Ele não gosta de ser visto quando está nas ruas. Uns 30 a 40 por cento dos carros, a noite, só usa a lanterna, ao invés do farol acesso. Alguns motoqueiros preferem andar durante o dia com o farol apagado. Só pode ser timidez, pois farol acesso serve principalmente para que você seja visto.

Mas o fundamental de uma adaptação perfeita é tirar proveito das coisas boas do lugar. E coisa boa é que não falta no Rio. Dentro do possível, da minha disposição e agenda de viajeiro, tenho um dos maiores parques urbanos do mundo, ao lado de casa, para a caminhada diária. E nem falei ainda que nessa caminhada passo ao lado da enseada de Botafogo, vendo o Pão de Açúcar e o Corcovado com a entrada da Baía de Guanabara ao fundo (salivem de inveja amigos que ficaram em Sampa). Outra coisa fantástica é usar o carro só eventualmente. Diariamente saio de casa até o metrô, e do metrô até o escritório, todo o trajeto, de sala à sala, em apenas 25 minutos. Sem estresse!

O maior contador de histórias que conheci, meu avô Manoel, me ensinou que o que a gente leva da vida é a vida que a gente leva. Não sou apegado às coisas materiais. Não tenho saudades do carro que tive, bens ou patrimônio. Mas minhas viagens, principalmente as migrações, têm me ensinado o prazer de sentir saudades. E não é prazer besta ou masoquismo. A saudade, cada vez de mais gente, é sinal que conseguimos multiplicar com facilidade o amor por pessoas. E se aumento essa multiplicação, mais feliz fico, pois é sinal que tenho conquistado e tenho sido conquistado por mais gente, que logo, logo, se transformam em amigos eternos. E é nesse momento que se curte um dos prazeres de viajar: voltar a ver os amigos e aplacar a saudade. Não quero parar nunca com isso.

Você gostaria de receber as atualizações do Pô, meu! por e-mail? Clique aqui.

Deixe uma resposta