Lula, a cara do Brasil


Imagem: Lula, um filho do marketingAção ao portador: é aquela que não apresenta o nome do proprietário, que pertence a quem detém seu poder. Desde 1990 o Brasil não tem mais ações ao portador, como forma de coibir o uso destes papéis na lavagem de dinheiro e na evasão fiscal.

Constituição Federal, artigo 5º, parágrafo IV: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

Essa introdução servirá para minha defesa prévia, pois o assunto é sério e, independente da forma como você o analisa, aceitá-lo é indecente.

Tenho discussões homéricas com a minha cineasta preferida, a Ju, sobre subsídios à indústria cinematográfica brasileira. Minha experiência profissional permitiu-me vivenciar uma das piores, senão a pior de todas as “proteções à indústria nacional”, que são feitas através de bloqueios à concorrência e com oferta de subsídios. Estou falando na famigerada Reserva de Mercado da lei que criou a Política Nacional de Informática, ainda sob o braço da ditadura militar que terminaria no ano seguinte à sua promulgação. Em 1984 entrava em vigor a garantia que nosso acesso às novas tecnologias informáticas, abriria um vão gigante entre os mais pobres e os que podiam pagar para trazer computadores do exterior. Sem contar que encruado na nossa cultura, ganhava destaque a figura do “executivo de fronteira“, aquele que oferecia o computador importado por preços “quase” originais e bradava: “La garantía soi jo“.

A Ju, padawan estrelada de cineasta, ainda resiste na defesa do subsídio para a produção na forma de renúncia fiscal, ou seja, empresas deixam de recolher parte do imposto que deveriam pagar ao governo e entregam para bancar uma parte ou toda produção de um filme (ou outra atividade cultural). Essa é a chamada Lei Rouanet.

Eu acho que cultura está sempre de braços dados com educação, ou embutida nela, e como educação deveria ser obrigação número 1 do governo, a cultura está nesse mesmo nível, e o cinema é uma das formas de difundir a cultura nacional. Todavia, no meu ponto de vista, não deveria abrir possibilidades de favorecimentos políticos, ou pior ainda – atenção essa parte é crítica – retirando da verba que deveria fomentar a cultura nacional, os 20% (ou pouco mais, ou pouco menos) que são pagos para os proxenetas (eu quis dizer lobistas, executivos, empresários, bem-relacionados) que abrem as portas da Lei Rouanet, principalmente nas estatais.

Preferiria que a competição fosse mais acirrada, sem dinheiro oficial para os amigos do poder ou para os atravessadores de projetos culturais. O ideal seria que cada brasileiro pudesse assistir um filme nacional por mês, à sua escolha. Com o subsídio na ponta, o mercado certamente cresceria pela competitividade, pois só ela provoca a melhoria da qualidade. Mas enfim, minha futura cineasta ainda não se convenceu do que é melhor.

E onde tudo isso se junta com as definições lá do início do texto? Dentre os patrocinadores do filme Lula, o filho do Brasil, estão empresas como: Senai, GDF Suez, OAS, Odebrecht, Souza Cruz, Estre Ambiental, CPFL, Camargo Corrêa, EBX, Ambev, Volkswagen, Hyundai, Grendene, Grupo JBS-Friboi. O filme também conta com o apoio de: Oi Futuro, Ticket Accor e Nextel. Mas existem quatro doadores ocultos! Segundo a produção, estas empresas não querem ter seus nomes ligados ao filme.

Por quê? É fundamental que elas apareçam, se apresentem, pois a legislação vigente hoje no Brasil, praticamente só permite o anonimato aos doadores nas campanhas eleitorais. Seria o filme então parte de campanha eleitoral? Se for, não estaria fora de época?

Brasil, ame-o ou deixe-o!

P.S.1) Os produtores afirmam que não usaram recursos da Lei Rouanet.

P.S.2) Eu pergunto: e precisava?

P.S.3) Por que o artigo definido no título do filme? Não somos todos filhos do Brasil?



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4 Comentários

  • Chantinon disse:

    Olá Nelson,
    Ontem vi o trailler do filme do Lula.
    Tudo que você mencionou eu senti vendo esse trecho do filme.
    O filme deve ser legal, como ficção, claro!
    No filme não irão aparecer as reuniões dos sindicalistas chantageando empresários (que também não são santos), sindicalistas sendo torturados por companheiros, acordos por debaixo do pano, suborno, planos conspiratórios para derrubadas de governo, filho que fica rico com empresa de game, irmãos que viram fazendeiros ricos da noite para o dia, várias obras assinadas por Oscar Niemayer (um caquetico que não quer largar o osso – além de gosto duvidoso).

    Eu passei a ser mais atento aos erros do capitalismo. Das manobras safadas das privatizações, mesmo assim, prefiro tudo na mão do mercado privado, desde que o governo não se corrompesse e fiscalizasse. Nunca teremos um mundo perfeito, mas teimamos em seguir os piores exemplos.

    Lula não vai sair limpo de tudo isso. Infelizmente o povo perdoa, mas uma hora irá cair a mascara.

    • Nelson Correa disse:

      Chantinon,

      Independente da forma econômica a ser adotada, é imprescindível que seja dentro de uma democracia com os direitos fundamentais assegurados.

      Amém para sua frase final.
      ;-)
      Abração,
      Nelson

  • Cris disse:

    Realmente, esse artigo definido ficou muuuuito estranho. Por que não “Lula, filho do Brasil”, assim como um filho mais genérico? Ou, “um filho do Brasil”, como todos nós? Mais estranho ainda são essas “generosas” e discretas empresas que não ousam dizer seu nome …

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