Incógnito: um vinho, uma história familiar

Em 1888, um português de 16 anos, de Santa Cruz da Graciosa, uma ilhota do conjunto de ilhas de Açores, junto com a família, bagagens (pouca) e esperança (muita) parte para o Novo Mundo. Ali começa a história de uma família Correia que agora vou contar. Francisco Correia Sarmento é recebido em New York por um irmão mais velho que já tinha imigrado para os EUA. Ele não fica na ilha de Manhattan, pois era o Oeste Selvagem que acabava seduzindo, naqueles tempos, aventureiros como o Correia dessa história. E foi para lá que ele levou sua esperança. Se estabeleceu em Colton, uma cidade do Condato de San Bernardino na Califórnia. Francisco, já conhecido como Frank,  casou, teve dois filhos e duas filhas, e sustentou sua família cortando o cabelo e fazendo a barba de muitos cowboys daquelas bandas. Ele era barbeiro.

Frank, o nosso Francisco Correia, conquistou tranqüilidade e um bom estilo de vida. Nunca mais voltou a Portugal. Seus filhos, netos e bisnetos nasceram americanos. Típicos californianos. Mas a vida traça teias misteriosas e brinca em cruzar destinos. Carrie, uma das bisnetas do nosso herói aventureiro, se apaixona por um dinamarquês, engenheiro mecânico, Hans Kristian Jorgensen. Casados, vivem na Malásia por 20 anos, por conta do emprego de Hans. O casal ganhou e guardou um bom dinheiro no oriente. Com as economias, resolveram voltar ao ocidente, mas agora como produtores de vinhos.

De barco, sim, era um barco a vela (ô vida caprichosa!), o casal acabou indo para a Europa, depois de avaliar e descartar a Califórnia. Aportaram em Portugal. Descobriram uma propriedade na região do Alentejo, onde não havia uma única vinha, só cereais plantados. Compraram a “Cortes de Cima” e com a ajuda de um viticultor famoso, começaram a plantar parreiras.  Usaram técnicas de vinhas do Novo Mundo e introduziram a uva Syrah (ou Shiraz). Uma uva proibida na região demarcada (DOC) do Alentejo.  Mas eles acreditavam, aliás, tinham certeza, que poderiam produzir um excelente vinho Syrah pelas condições de terreno (terroir) e do clima quente da região.

Em 1996 engarrafaram o primeiro vinho da região do Alentejo feito 100% com uvas Syrah. Não podiam assumir isso, pois dessa maneira, o vinho não poderia ter a classificação de região demarcada. Deram-lhe o nome de Incógnito. No rótulo da parte de trás da garrafa, um acróstico que mostrava características e adjetivos daquele vinho formava a palavra SYRAH. Ele cresceu com características de vinho do Novo Mundo, foi sendo premiado safra após safra. Encantou Robert Parker que o pontuou com mais de 90 pontos. E foi o par perfeito para um almoço especial de outra família Corrêa.

Começamos com queijos, torradas e pastinhas e com um Tapada de Coelheiros – 2001 Garrafeira Aragonês e Cabernet Sauvignon (Portugal). Depois veio um Clos Mogador – Renê Barbier (Espanha). Enquanto as mulheres preferiram um Casa Silva Carmenére 2004 Gran Reserva (Chile). As sobremesas, doces, foram acompanhadas por um Viu Manent Semillon Late Harvest (Chile). O prato principal… bem… o prato principal era bacalhau. Mas brindando à globalização praticada pelo talvez-primo Frank Correia, não era um bacalhau à uma das modas portuguesas. Comemos um Bacalhau Mediterrâneo (receita), numa receita do descendente de italianos da Calábria, e dono do empório famoso de São Paulo que leva seu nome: Eduardo Chiappetta.

Voltando ao Frank, o Francisco Correia, quando ele imaginaria que os filhos de sua bisneta nasceriam em Portugal e falariam português com sotaque Alentejano? Nós, outros Corrêas, brindamos a chance de estarmos todos (100%) mais uma vez juntos, à mesa. Obrigado Mônica. Obrigado Paulo. Feliz aniversário meu irmão. Estava tudo perfeito.

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1 Comentário

  • Paulo Corrêa disse:

    Certa feita, acompanhado do ilustre Claude Troisgros, na casa de um amigo comum, Paul Geiser, ouvi do doce franco-brasileiro uma das melhores definições sobre o bom vinho. Disse Claude que o melhor vinho é aquele que é bebido com a companhia certa e no dia certo. A companhia da família foi, com absoluta certeza, o que de melhor poderia ter acontecido para depurar a qualidade dos vinhos degustados. Sem embargo (no melhor estilo espanhol do Novo Mundo), os vinhos que degustamos são considerados grandes ícones. O Íncógnito já conhecia (salvo a história completa – curiosamente um ramo da família Correia – tão curiosa quanto a do próprio vinho). A syraz é uma uva encantadora, que os australianos e os sul-africanos vem explorando tão bem. Nosso próximo encontro será regado por um Merlot do Chile. Quero ver se você descobre!? Beijos

    Comentário do Pô, meu!
    Paulo, estudei com o irmão desse cara, o Gert Geiser.
    Quanto à frase do Claude, endosso sem pestanejar. O vinho é uma bebida que não se bebe sozinho. Na pior das hipóteses, haverá um prato ou um queijo para acompanhar.
    Quanto ao próximo encontro, se for o tal merlot chileno, ótimo. Se não, quem sabe um malbec argentino. Tanto faz. O importante será o encontro.
    Beijos,
    Nelson

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