É prá comprar uma cachaça


Imagem: Empresários se cotizando para doarLá por meados da década de 90, logo após o lançamento do Plano Real, eu estava dentro do carro, estacionado no Bairro Peixoto (Copacabana-Rio) esperando um amigo que já iria descer do apartamento dele. Meio da tarde, janelas abertas, música no rádio e umas moedinhas miúdas junto com uma reluzente e novíssima moeda de 50 centavos no console abaixo do painel. De repente, me assusto com a cabeça de um indivíduo emoldurada na janela do banco do carona. Ele olhava para mim e para a moedona de 50 centavos no console. Quando percebeu que eu voltava à realidade e estava dando atenção a ele, inicia seu discurso dizendo que estava fissurado numa dose de cachaça e que, com aquela reluzente moeda de 50 centavos, ele saciaria a sua (dele) necessidade. Apesar do susto, devo ter esboçado um sorriso com tamanha sinceridade. Me curvei sobre o console, peguei a moeda e entreguei ao sincero cachaceiro na minha janela. Não sem antes dizer-lhe que deveria tentar se controlar, e que eu só estava dando a moeda pela extrema sinceridade dele. Ele pegou a moeda, agradeceu, fez meia volta e deve ter ido pro botequim mais próximo alimentar a sua doença.

A memória da gente é uma caixa muito estranha que é aberta por disparadores das mais diversas variedades. Essa aí de cima veio à tona logo após eu olhar a foto dos oito senhores e uma senhora (escondida no canto direito), frente às câmeras de TV para anunciar que a iniciativa privada se juntaria para ajudar o governo do estado na suas ações de pacificação de favelas na cidade do Rio de Janeiro, as já famosas UPPs (Unidades de Policiamento Pacificador). No meio do grupo, podemos ver o presidente da CBF, que só de patrocínios em 2010, tem arrecadação prevista de 210 milhões de reais. A indústria de refrigerantes que é a patrocinadora oficial das últimas e talvez das próximas Copas do Mundo, também está presente nesse grupo. O empresário, 8º lugar na lista dos maiores bilionários do mundo (27 bilhões de dólares), que é dono de um dos mais tradicionais hoteis do Rio de Janeiro, e que recentemente buscou um financiamento de 147 milhões de reais, subsidiado pelo BNDES para o seu hotel, também aparece na foto. Completam a foto a seguradora de um dos maiores bancos brasileiros, que quintuplicaram o lucro nos últimos 8 anos, comparado com os 8 anos anteriores e a maior empresa brasileira de cigarros.

Junto com o secretário de segurança pública, anunciaram que estavam iniciando uma ação de doações que já contava com 23,3 milhões de reais. O bilionário proprietário do hotel ( e de mineradoras, petroleiras, etc), era o mais empolgado, tendo feito farta divulgação na mídia e até no seu Twitter, que doaria 20 milhões por ano, até 2014. O caixa inicial para ajudar as UPPs do Rio, já tinha quase o valor orçado para a campanha de reeleição do governador Sérgio Cabral (25 milhões), que é o mesmo valor para a campanha de 5 candidatos a deputado federal (5 milhões cada) do PT (Partido dos Trabalhadores) no estado do Rio de Janeiro. É bem verdade que ainda está muito aquém do orçamento para a campanha da preposta do Lula para a presidência, que é de 160 milhões de reais (eu aposto que arrecada meio bilhão). E bem longe também das recentes obras do PAC na favela da Rocinha (897 milhões de reais) ou da reforma do estádio do Maracanã (licitada em 705 milhões de reais) como divulgado aqui no Pô, meu!.

Ah, só para deixar claro para quem, eventualmente, perdeu o rumo com tanto dinheiro. Não quis com esse texto dizer que algum dos citados fosse bêbado, muito menos que as UPPs são um vício ou uma doença. De maneira alguma. Foi só um paralelo do meu sorriso (lá no início do texto) com os rostos sorridentes da foto acima: nos custou só 50 centavos. Mas eu além de não enganar ninguém, só fui falar da minha doação quase vinte anos depois. :-)

P.S. Em tempo, também acredito na sinceridade do secretário de segurança do Rio de Janeiro.



Você gostaria de receber as atualizações do Pô, meu! por e-mail? Clique aqui.

3 Comentários

  • valdir nascimento disse:

    O que vale mais, ter(roubar)o suficiente para não ter que dar satisfação a ninguem sobre os meus atos, ou não ter nada a ponto de ,ter que ser sincero para alimentar os meus pecados?

  • valdir nascimento disse:

    Beber com certeza não é pecado.
    ser viciado ,sim é pecado.
    roubar é pecado.
    Falar a verdade é uma dádiva.
    Ou seja , o bêbado peca mas é verdadeiro,enquanto que o rico ,alem de roubar tambem é mentiroso,pois não há rico que enriqueça sem ter que mentir. trabalhador não enriquece,se aposenta e morre. hahahah

Deixe uma resposta para valdir nascimento Cancelar resposta