Juventude encurralada


Tenho por princípio pétreo não aceitar, não condescender, não colaborar e não me calar frente a qualquer tipo de ditadura, independente de cor, sexo, religião ou ideologia política. Isso posto, devo dizer que detesto e desconfio de textos em que o autor auto coloca uma etiqueta identificadora antes de dizer o que veio dizer. Mas vai ficar assim mesmo. Pô, meu! Duas etiquetas? Só para quem percebeu. ;-)

Imagem: Vlado Herzog - jornalista, professor e dramaturgo - torturado e assassinado no DOI-CODI em São Paulo onde estava preso.

Vlado Herzog – jornalista, professor e dramaturgo – torturado e assassinado no DOI-CODI em São Paulo onde estava preso.

Adoro as análises que a jornalista Miriam Leitão faz sobre a economia e assuntos correlatos. Sou fã mesmo. Por diversas vezes faço elogios a ela no Twitter e indico como leitura fundamental alguns de seus maravilhosos artigos no jornal O Globo. Já não me empolga tanto suas visões sobre clima e temas “verdes”. Quando o tema então é a época da ditadura militar que nos enclausurou de 1964 a 1985, em alguns momentos, temos visões absolutamente antagônicas. Ou então, pode ser, não consiga entender com clareza o que ela escreveu.

No dia 31/03/2013, ontem, o artigo da jornalista (Visita inevitável) era sobre o aniversário do golpe de estado que os militares comandaram em 1964 e sobre a Comissão da Verdade, que tenta clarificar e, talvez consiga também, apontar os criminosos de tortura de estado daquela época. O texto corria perfeito e claro como sempre. É bem verdade que o fechamento da Panair para o alavancamento da Varig não foi o único caso que desconfiávamos de favorecimento em grande escala empresarial da ditadura. Nesse mesmo nível, todos nós, na época, colocávamos as organizações Globo como outra grande favorecida. Mas quem sabe, a jornalista não pensa igual.

Tudo ia bem, até que ela escreveu: “Pois é. Um lado era a juventude encurralada. O outro, o Estado com o poder exercido de forma ilegítima pelos militares, usando a sua força contra quem ousou discordar.”

Está simplista demais. Sou um pouquinho mais jovem que a jornalista mas estava no Rio de Janeiro durante todo esse período, e não na distante Caratinga. Havia duas forças fortes que queriam impor seus modelos ideológicos. Dos que eram contra a ditadura militar, havia os que preferiam o comunismo e os que preferiam a liberdade da democracia. Havia os que entraram na luta armada contra a ditadura militar e os que usaram a palavra como arma. Havia os que foram mortos, deportados, presos e os que foram embora para que não fossem mortos, deportados ou presos. Havia os que não atrapalhavam os ideais comunistas e havia os que estavam na hora errada, no momento errado ou que, por ideologia ou subordinação, foram mortos brutalmente. Mas havia os que ficaram e lutaram escrevendo, discursando, forçando a mudança do regime.

Imagem: Atentado a bomba no Aeroporto de Guararapes no Recife em 25/07/1966 (2 mortos e 14 feridos).

Atentado a bomba no Aeroporto de Guararapes no Recife em 25/07/1966 (2 mortos e 14 feridos).

Sinto diversas vezes que pintam, não acho que Miriam Leitão seja uma, um quadro onde dois bandos se atacam e se matam. Pior, matam muitos inocentes que não estavam dentro dos dois bandos. E agora querem nos fazer acreditar que o bando que matou mais e mais cruelmente é pior que o bando que matou menos, até por ter menos poder de destruição? Fala sério!

Para mim ambos não prestaram. Para mim os maiores heróis na luta contra a ditadura foram os que se pautaram na liberdade. O difícil é retirar desse grupo os covardes, que aí se escondem, mas que lutaram na verdade, por outro ideal.



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