Texto perdido

Sexta-feira passada, dia 18 de janeiro, li sobre a morte do enxadrista Bobby Fischer. Imediatamente correu nas veias o impulso de escrever um artigo sobre minha relação com o xadrez (e até com o dia 18 de janeiro). Abri o editor de texto simples, não queria perder tempo com ferramentas “para blogar”, e saí escrevendo, de rompante. A onda estava vindo, eu tinha que surfá-la de imediato para não perdê-la. Várias batidas rápidas de teclas. Palavra puxando palavra. Frase atrás de frase. Tudo ligado nas minhas memórias em torno de 25 anos atrás. Finalizei o texto. Reli. Corrigi uma coisinha aqui, outra ali. Me dei por satisfeito. “Tá legal.” Pensei, com um leve sorriso que só brota no rosto dos otários.

“Agora vamos salvar e transplantar para o Pô, meu! usando as ferramentas de blogar.” Foi o que passou na cabeça do bobão aqui. Bobão sim. Não tente me convencer do contrário. Estou experimentando um probleminha com a placa PCMCIA que me conecta ao mundo por banda larga, através da rede de telefonia celular. Quase todo dia, pelo menos uma vezinha, meu laptop congela e precisa ser resetado por culpa da tal plaquinha. É isso mesmo que está passando por sua cabeça. Congelou no instante que me dei por satisfeito (tava bonzinho o texto), e ia salvá-lo para o blog.

Mas você não salva seus textos enquanto escreve? É isso que você ia perguntar né? Péra um momentinho, vou salvar esse… Continuando. Não salvei. Era um pequeno texto, uns seis ou sete parágrafos curtos. Salvar seria um ato mecânico, eu estava envolvido no clima, com toda a minha energia. Só olhava para a frente, nem reler o que estava escrito eu relia direito. Fiquei puto! Se fosse mulherzinha teria chorado de raiva. Mas só fiquei puto. Muito puto mesmo.

Descobri que como escritor de histórias, sou ainda amador. Detesto reescrever qualquer texto. Depois de pronto, só aceito fazer pequenas alterações. Até mesmo grandes mudanças me fazem jogar um texto fora. Mas por que amador? Você está fazendo muitas perguntas hoje. Eu explico. Certa vez, quase uns dez anos atrás. Eu finalizava um relatório profissional sobre um projeto. Estava ficando muito bom. E eu gostando dele. E me empolgando com o resultado, não estava salvando o texto que era digitado em um velho MS Word. Ao final do relatório, satisfeito, dever cumprido, e para relaxar, uma espreguiçada, e… um chute no botão liga/desliga do estabilizador fez com que todo o meu trabalho fosse enviado para o éter.

Também fiquei muito puto. Foi grande o trabalho. Estava muito bom. Levantei, fui para a copa do escritório. Tomei um café e acendi um cigarro (era mais bobão que hoje). Olhei perdido a paisagem da enseada de Botafogo e entrada da Baía de Guanabara, com a Marina da Glória em primeiro plano, o Pão de Açúcar à direita e os aviões decolando do Santos Dumont à esquerda. Sorvi o café, talvez tenha bebido mais de um. Traguei o cigarro, podem ter sido dois. Olhava para o nada, apesar te estar vendo aquilo tudo. Pô, meu! Tinha que entregar o relatório. E mesmo que não ficasse tão bom quanto o primeiro, me venci, e reescrevi tudo. Eu era um profissional.

O texto que fugiu na sexta passada, não acho que foi embora para sempre, mas também não vou reescrevê-lo. Nele, eu falava como aprendi o xadrez com o meu pai. Falava que exceto por ele não ter aprendido as histórias que meu avô, pai dele, contava, ele foi o pai que qualquer moleque gostaria de ter. Contava também de ter assistido partidas do Interzonal de Xadrez do Rio de Janeiro em 1979 (tá bom, menti ali em cima, por volta de 30 anos ao invés de 25) com o amigo da faculdade Isak Aizim Diamante (esta parte era boa). Meu terceiro lugar em um torneio na Universidade Santa Úrsula e a aposentadoria dos tabuleiros, com uma pequena exceção para ensinar o filho e sobrinhos a arte da concentração e da disputa do único jogo que conheci, que não se pode contar com a sorte.

Quem sabe um dia ele volta?

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4 Comentários

  • iki voador disse:

    Magnanimo Mestre !!!
    Permita-me abrir-lhe os olhos, para uma indigna observação, conforme abaixo:
    Traguei o cigarro, podem ter sido dois. Olhava para o nada, apesar te estar vendo aquilo tudo. Pô, meu!
    Magnanimo, ninguem traga dois cigarros acesos ao mesmo tempo, exceto se um deles nao for um simples cigarro e fica tipo, parece que nao sei, sei lá o que !!!
    Mas minha mente mundana, levou-me a um fantasioso delirio.
    Estaria o mestre dando um tapinha ou fumando dois caretas ao mesmo tempo, nao me parece ser real .
    Seja lá qual for o real sentido, perdoe-me magnanimo pela duvida que brotou em meu amago profano.
    ABS
    IKI VOADOR

  • Chantinon disse:

    Quem nunca teve o mesmo tipo de problema atire o primeiro mouse.
    Com trabalhos, costumo ficar salvando e várias versões, 01, 02, 03….
    Para o blog escrevo direto no Word, assim ele corrige algumas barabaridades, e outras ficam lá graças ao meu português capenga.
    Agora fiquei na curiosidade pela narrativa e desfechos da vossa vida de enxadrista. Será que será o próximo post?

    Abraços

    Comentário do Pô, meu!
    Caro Chantinon,
    Ainda não foi o “próximo” post, mas acho que já esqueci o trauma de perder o texto pronto e vou contar em breve a minha brevíssima história no xadrez. :-)
    Abração,
    Nelson

  • Cara, acho que todo mundo já passou por isso. Vez por outra, em situações de trabalho, isso me ocorre.

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Andre,
    É verdade, eu sei disso. Mas o que não consigo é reescrever. Sumiu? Beleza, mas escrever outro igual, nem tento. :-)
    Volte sempre.
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • […] Esse é um derivado de um post perdido há sete anos. Vou ser mais claro. Escrevi o post inteirinho e o computador deu um suspiro e tudo que estava aberto virou luz, sumiu. Eu fiquei indignado… vale a pena ler o post que escrevi na época, vái lá, eu espero você ler e voltar. Tá aqui: Texto Perdido […]

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