Nova batalha

Domingo, 30/07/2006, 23h – Lá vou eu de novo

Onze da noite, havia um bom tempo que eu lutava com meu laptop para atualizar o Mandriva Linux para a versão 2006.0. Mais cedo, voltara de São Lourenço, sul de Minas Gerais, o domingo já estava no fim, mas como o cdrom do laptop negava-se a ler os cds do Mandriva, estava eu desfragmentando o HD para ampliar a partição FAT32, e, a partir dela, instalar o novo Mandriva quando tudo recomeçou.

Uma forte cólica, seguida de um calor extremo, precederam uma tontura que não me levou ao desmaio, mas me deixou preso na cama e suando frio por aproximadamente 10 minutos.

A seguir, uma forte diarréia me deu a convicção de que, mesmo sem sentir dor, nenhuma dor, nada perto aquela dor lancinante do infarto do 18 de janeiro de 2001, eu deveria procurar apoio médico.

Segunda, 31/07/2006, 0:30h – Hospital São Luiz

Passava da meia-noite quando cheguei no PS do Hospital São Luiz no Itaim. Muito melhor que da outra vez, pois além de estar dirigindo (guiando em paulistês) meu carro, tive tempo de tomar um banho em casa e me arrumar decentemente, ao invés de chegar jogado no banco de trás do táxi e vestindo pijamas e o tênis do Jaime, como foi minha chegada no mesmo local em 18/01/2001.

Um primeiro eletrocardiograma não identificou nenhuma alteração quando comparado com o que eu havia feito no último checkup (há exatos 12 meses), que obviamente, mostrava as alterações que foram introduzidas para sempre em meus eletrocardiogramas a partir de 18/01/2001.

Vibrei comedidamente, afinal, ir ao PS por conta de uma dor de barriga era muita frescura. ;-) Agora só faltava o resultado do exame de sangue para medir a taxa de enzimas, que sobem toda vez que o músculo cardíaco é castigado. Como por exemplo, durante um infarto. Nesse momento, como o coração tem uma área que deixa de ser irrigada, o músculo cardíaco que não recebe sangue, começa a morrer muito rapidamente.

Segunda, 31/07/2006, sem registro da hora – A Notícia

Veio o resultado do exame de sangue: enzimas lá em cima. Diagnóstico: IAM. Infarto Agudo do Miodárdio. Porra, novamente. Precisava de uma UTI, mas infelizmente eu estava no São Luiz sem convênio ou plano de saúde. Nessa hora, o pessoal do São Luiz mostrou-se digno da profissão deles, que lida com a tênue linha entre a vida e morte de pessoas. Eles desceram equipamentos para o Pronto Socorro, mudaram minha maca de posição para um canto onde os equipamentos pudessem ser instalados e começaram a me monitorar lá mesmo, até que se conseguisse uma UTI cardiológica em um hospital gratuito. Obrigado, profissionais do Hospital São Luiz.

Segunda, 31/07/2006, alguma hora no meio da madrugada – Clímax

Enquanto esforços eram feitos lá fora do PS para se conseguir uma vaga gratuita, lá dentro passei pelo momento mais crítico dessa batalha. Novamente comecei a ter cólicas e tonturas. Quando acordei, uma digníssima senhora, uma enfermeira negra cujo primeiro nome era Ana, carinhosamente massageava meu peito e repetidamente falava: volta, seu Nelson. Volta, seu Nelson. Teimoso, voltei. Muito obrigado, Dona Ana.

Segunda, 31/07/2006, manhã – A Solução

Apesar dos esforços do Dr. Thiago e do Dr. Rafael (do Hospital São Luiz) na tentativa para arrumar uma vaga no Incor, (obrigado Dr. Thiago, obrigado Dr. Rafael), foi a Vivi que conseguiu me arrumar uma vaga no Hospital Dante Pazzanese. Obrigado, Vivi.

Meu quadro já estava estável. Pelo que vi mais tarde, uma ramificação secundária manteve a irrigação do coração na área afetada. Já me sentindo bem melhor, dei um passeio de ambulância até o Dante Pazzanese. O motorista da ambulância, um cara de rosto bem claro e muito forte, além de bastante brincalhão e simpático, perguntou ao médico que nos acompanhava na ambulância: Dr, com emoção ou sem emoção? E lá fomos nós, driblando o trânsito de meio-dia em São Paulo, com a sirene à toda. Cheios de emoção. Junto na ambulância, um enfermeiro negro e muito grande, mas uma dama de pessoa, muito carinhoso e gentil. Obrigado aos três.

Segunda, 31/07/2006, pouco mais de meio-dia – O Local

O Dante, apesar de ser um hospital estadual, é um hospital de primeiro mundo. Sem contar que fui super bem recebido pelas equipes de enfermeiras chefiadas pela Enfermeira Lucia e pela Enfermeira Renata. Obrigado, Lucia, obrigado, Renata, obrigado ao time de enfermeiras que me trataram como se eu fosse amigo de longa data. Alguns nomes eu guardei, mas eu queria ter guardado todos.

Esse dia correu tranqüilo. Como minha situação estava estável, foi só ser monitorado, realizar eletrocardiogramas e análises de sangue. O mais interessante foi conhecer um dos plantonistas, um médico que falava muito mal o português, com forte sotaque espanhol, mas que não me parecia de origem latino americana. Quando ele veio falar comigo, perguntei de onde era, e sua resposta foi Palestina, Faixa de Gaza. Muito interessante, nunca tinha conhecido um palestino.

Mas também preocupante, pois eu tinha ouvido ele remover o cateter de uma senhora, e o cara foi super grosso. Até porque a coitada da senhorinha não estava entendendo o português mal falado dele. E aí sabe como é… com esse meu biotipo que lembra um descendente de David, minha maior preocupação era que o Dr. palestino lesse minha ficha e verificasse que meu sobrenome era Corrêa e não alguma coisa terminada em stein.

O Diazepan liquidou qualquer preocupação e me deu uma noite digna do paraíso do Alah. Em tempo, não me lembro de ter encontrado virgens por lá. Talvez porque eu não seja um muhajedin. :-)

Segunda, 01/08/2006, 10h – Passar os internos

Os Drs. Ari, Rui e Gustavo, que como me falou a enfermeira Helena, são 3 grandes feras, iniciaram a visita-aula aos internos da UCO (Unidade Coronariana). Junto com eles estava o residente Dr. Bruno com mais 5 alunas de medicina e mais a Renata que é a enfermeira chefe do turno. Obrigado, Drs. Bruno, Gustavo, Rui e Ari.

Uma das alunas lê o caso e os demais discutem, igual a gente vê na TV. Meu caso não tomou mais que 2 min do grupo na minha baia. O Dr. Ari me fez 3 perguntas bem diretas, coisas do tipo: quantos anos você tem? Fuma? Como foi a sua dor? O Dr. Rui tomou o assunto e fez uma breve descrição do meu caso, já que ele já havia conversado comigo ontem. Não sei se me alegro ou me entristeço com a pouca atenção. Sabe como é carência. Acho que devo me alegrar por não poder ajudar muito na formação prática das futuras cardiologistas. ;-)

Segunda, 01/08/2006, quase 14h – Cateterismo

Estou em jejum desde o café da manhã me preparando para o cateterismo. É lá que o pessoal vai entender o que está acontecendo comigo. Estou um pouco ansioso. Aliás, muito ansioso.

Fui apanhado para mais um passeio onde a paisagem é o teto dos corredores. Duas enfermeiras, uma delas, a mais nova, poderia ter sido jogadora de basquete, tamanho e biotipo ela tem para isso. Ela e a outra, que me pareceu mais experiente na função, chegaram ofegantes à sala de cateterismo, pois tiveram que me empurrar uma rampa acima. Sinceramente, não percebi nenhum desnível no teto por onde passamos.

Já instalado na mesa de procedimento cirúrgico (nem sei se é assim que se chama), fui cumprimentado pelo médico que conduziria o processo. Não! O sotaque espanhol novamente! Olhei por onde eu conseguia ver o rosto por trás da máscara do médico e, ufa, não era o palestino. A enfermeira que empurrava a maca, a mais experiente e que faz trufas para vender aos médicos, me disse que ele era equatoriano. Obrigado, enfermeira doceira de trufas, obrigado, enfermeira que poderia jogar basquete.

Depois da anestesia local e do corte na virilha para colocar o cateter que chegaria ao coração, no local do acidente, em poucos minutos o médico equatoriano e um outro que o acompanhava, descobriram a razão do meu problema: um entupimento na mesma artéria gigante que já havia entupido em 2001 e que já tinha dois stents (molinhas que usam para sustentar a parede da artéria depois de desobstruirem por angioplastia). Por outro lado, uma outra artéria levou sangue para a área afetada de forma secundária. Pensei: que bom! Isso explica o eletro igual ao do último checkup, e ótimo, o tecido cardíaco morto neste infarto, já devia estar morto por conta do outro, por esse motivo, meu estado relativamente tranquilo e estável. Dei sorte.

Mas nem tive muito tempo para comemorar. O Dr. equatoriano disse que como a obstrução era no mesmo local e que, como lá já havia dois stents, ele teria que pedir ajuda ao seu (dele) chefe para saber como proceder. Gelei em cima daquela mesa fria: vai rolar uma cirurgia para colocação de pontes. Merda. Mas rezei para que o Dr. chefe tivesse uma solução ali mesmo para o meu problema.

Minhas preces foram ouvidas, e depois de uma hora e meia de processo de angioplastia, a artéria foi desobstruída e um novo stent foi colocado junto aos dois antigos. Obrigado, Dr. chefe, obrigado, Dr. equatoriano. Infelizmente, o computador que se conecta com o equipamento que monitora toda ação do cateterismo não estava funcionando, e o filme feito lá no equipamento, não pode ser copiado para o computador para depois queimar um CD. Eu ia me oferecer a dar uma olhada, quem sabe um problema de vírus, cheio de alunos metendo a mão, orkut, msn… desisti… estava super cansado.

Terça, 02/07/2006 – 12:30h – O retorno

Hoje tomei banho de verdade, chuveiro e não banho de cama. Fui examinado, e a cicatriz está ótima. Eles chamam de ótima uma região toda roxa e super dolorida. É na virilha. Quase uma Guernica. Fiz um eletrocardiograma e um exame de sangue. O eletro, como os outros, só mostra um único infarto, e o exame mostrou que as enzimas acalmaram completamente. Acabei de receber a grande notícia de que estou de alta.

Quarta, 03/07/2006 – 13h – Reflexão

Hoje peguei o Palm e sincronizei meus apontamentos aqui para o laptop. Li e reli. Coloquei os agradecimentos. Lembrei que o último post antes do infarto, eu dizia que estava reavaliando a identidade deste blog. Claro que já tinha reavaliado. Minha idéia era poder passar, principalmente para meus netos, coisas que eu sempre quis saber como se passavam na cabeça dos meus avós e, infelizmente nunca soube com precisão.

A partir de hoje, estou escrevendo para aqueles que gostariam de me conhecer um pouco mais, certamente meus netos, ou até mesmo meus filhos. E que eles possam saber que não tive medo de ir ao hospital domingo passado, que rezei e pedi muita luz e proteção, para mim e para os médicos que me acompanharam, que tive medo naquela mesa de cateterismo. E, mais que tudo, que sou eternamente grato a todas as pessoas que participaram deste teatro real. E também aos que gostam de mim, que ligaram, se preocuparam, oraram nas suas crenças, Ju, mãe, Sueli, Dani, pai, Dayse, Paulo, todo pessoal de Brasília e principalmente, Cristina. Muitíssimo obrigado.

Voltei inteiraço. :-D

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8 Comentários

  • Augusto disse:

    Nelsão, o mais óbvio que desejo uma ótima recuperação!

    Mas o que eu queria fazer mesmo é dar os parabéns por ter passado firme forte por mais uma dessas, ainda sobrando disposição para fazer um belo relato.

    Esperamos você nos nossos almoços, completamente recuperado. Abraços!!

  • Marcela disse:

    Que memória é essa rs
    Além de ser super forte ainda consegue lembrar o nome de todo mundo :D!
    Eu fico extremamente feliz que esteja tudo bem !
    Agora você pode zuar todo mundo que é invencível rs

    Beijos

  • Álvaro Teófilo disse:

    Nelson,

    O VP me mandou a notícia e o link do teu blog. Li tudo e fiquei estupefato, cara. Mas aliviado em saber que estás bem. Keep strong, cara. O Fucs, a essa altura, é que deve tá com o C. na mão. E não é C de coração. :-) Hora de torcer pra que ele também fique bem.

    A. Téofilo

  • Juh disse:

    Os dias aí narrados foram os piores que já vivi, mas agora que passaram eles têm um forte significado! Afinal não é qualquer um que tem o pai bicampeão…
    ;)

    Beijo pai!

  • Gabriela disse:

    tio..que susto hein ?!
    mais um neh ?!
    bom mas graças a Deus tudo está bem agora!bom se cuida pra naum desesperar-nos novamente!
    bjaao!
    minha mãe está mandando um bjao pra vc!!

  • Paulo Roberto disse:

    Confesso que dessa vez fiquei mais preocupado que da outra, o que, aliás, nem deveria acontecer, já que a Medicina diz que os piores infartos são aqueles que acometem as pessoas mais novas (exatos 4 anos e alguns meses menos). Talvez a minha maior preocupação seja sinal de amadurecimento (DNA, e não é o ácido). Talvez seja mesmo o nosso recente contato mais próximo, quando aí estive em uma situação igualmente digna de esquecimento (apenas pelas coisas preocupantes). Entretanto, creio que realmente o maior motivo é a constatação de que te amo (é bom que saibam que sou seu irmão e convictamente hetero!) e que fiquei muito feliz e igualmente emocionado com o seu relato. Em especial agradecido também a todas as pessoas que te ajudaram e nos ajudaram, sobretudo a negra Ana (se fosse o Neguinho da Beija Flor diria assim: Anjo, negro lindo anjo, negra Anaaa …). Que coisa formidável é essa de descobrir a facilidade que essa máquina nos proporciona de liberar nossas emoções… Querido irmão, é muito bom ter você de volta, ainda que não possa deixar de dizer o que já lhe falei, quando do infarto do Pai: vocês estão sujando meu CPF, pô! Agora quando vou fazer meu check-up sou obrigado a dizer que tenho histórico de doença coronariana na família. A propósito: tô meio encag… Vou voar de Fokker 100 em dezembro. Devo desmarcar o vôo? Um beijo na sua alma (seu coração tá sujo na rodinha) e que Deus nos dê muita vida para continuarmos descobrindo o quanto nos amamos. Paulo Roberto

  • Julião disse:

    Mestre Nelson!!

    Chorei quando li seu relato. Acho que a cada hora perdemos a oportunidade de dizer que amamos as pessoas que amamos…por razões inexplicáveis e menores! Lembrei da primeira vez, quando te vi no hospital, meio “grog”, cheio de fios pelo corpo…disse “Oi Marcão” e voltou a dormir…

    Mestre, sei que vamos nos ver logo. Mas até lá, se cuida. Sua força explica a admiração que todos tem por vc!

    Beijo no coração (espero que ele não se incomode com isso :o))

  • carro usado disse:

    Tá na hora de tu fazer uma update na sua saúde, força meu filho…

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