Natais
- Por Nelson Correa
- 22 dezembro, 2006
- Nenhum comentário
O Natal para mim sempre foi a festa da família. E olha que família só tá bem, reunida sem problemas, em fotografia. A família da Cristina, pelo lado do pai dela, se reunia e as crianças menores levavam o menino Jesus para a manjedoura do presépio na meia-noite do dia 24. No outro lado, da mãe dela, a festa de Natal era um gigantesco almoço no dia 25. Gigantesco porque a vó dela tinha 10 filhos, eram mais de 20 crianças e quase tantos adultos, e tudo funcionava comandado com pulso firme e ao mesmo tempo doce, da Dona Tiana.
Na minha família, o Natal sempre foi mais comedido, restrito, fechado, diria até careta e triste. Mas nem sempre foi assim. Quando eu era bem pequeno, pequeno mesmo, o Natal era na casa dos meus avós, pais do meu pai. Foi lá que vi pela primeira vez Papai Noel. Que medo! Eles moravam em uma vila no bairro do Catete no Rio de Janeiro, cheia de crianças, e estar lá com eles sempre foi muito bom. Tive algumas férias de verão memoráveis na casa deles.
Mais tarde, não sei ao certo o porquê, desconfio, pois família não é criativa para esses rompimentos, o Natal passou a ser na casa dos meus pais, entre nós e meus avós somente. Mas não ficou assim para sempre. Depois que casamos e os filhos nasceram, quando morei no interior, no Vale do Paraíba fluminense, em Mendes, fizemos natais memoráveis.
Com a fantasia completa usada pelo meu pai há mais de vinte anos , eu era o papai noel que amedrontava, mas também dava brilho aos olhos do Dani ao Batatinha, passando pelo Pipe, Batatão, Bibi e Ju. Foram vários anos representando, e só a Lelê, que chegou bem depois, não curtiu o tombo do Papai Noel no morro de Mendes. Nem a inenarrável performance do último ano, quando a Ju, Bi e Batatinha já estavam quase convencidos pelos três mais velhos que o Papai Noel era o tio Nelson. Quase que Dani, Pipe e Batatão mudaram de idéia depois daquele Natal.
Dos Natais mais caretas aos mais alegres, duas coisas nunca mudaram. Vindas de geração em geração, sempre comandadas pela minha vó Maria, enquanto ela não nos deixou em uma triste noite de Natal. Fazem parte da tradição de origem portuguesa, que a Cristina dominou e que certamente, passará para as próximas gerações. Estou falando do Bolinho de Bacalhau e das Rabanadas.
Em uma homenagem aos grandes Natais passados e, obviamente os futuros também, aqui vão as receitas, nunca antes publicadas, do que nunca mudou nos meus Natais:
BOLINHO DE BACALHAUDeixe de molho dessalgando meio quilo de bacalhau. Nas cidades bem quentes, como o Rio de Janeiro, cuidado. Não deixe o bacalhau dessalgando fora da geladeira de um dia para o outro. Uma vez quase “juntamos” o Paulo pelo pecado de estragar uma bela peça de bacalhau. Descasque um quilo de batatas inglesas, pode até ser menos. Use o olhômetro para ter a quantidade exata. Minha mãe tem a precisão dessa proporção.
Cozinhe o bacalhau com as batatas em água pura. Depois de cozido, desfie o bacalhau bem desfiadinho. Se o bacalhau não for de qualidade, você ficará até o reveillon tentando desfiá-lo sem sucesso. Lá na família, usa-se até panos para que o bacalhau fique em fios.
Amasse as batatas e com elas quentes ainda, junte o bacalhau em fios e mais: uma cebola ralada (tire o caldo e jogue fora), salsinha de montão (será que essa parte já é uma nacionalização do bolinho?) e a parte mais difícil, um ou dois ovos. Essa decisão depende de anos de experiência, ao ir amassando a mistura, você sentirá, ou não, se o segundo ovo será necessário. Mais que ciência, isso é tradição no estado da arte.
Faça da massa, bolinhos. Vários. Muitos. Nossa tradição familiar impõe a forma cilíndrica, de aproximadamente um dedo polegar de comprimento e dois (ou um pouco menos) de largura. Aqueça a panela com óleo misturado ao azeite. Português, claro! Às vezes, enquanto o bolinho não fica pronto, me questiono o porquê de misturar óleo de soja ao azeite. Será que seria transgressão usar só azeite? Bem, continuando, frite um bolinho cilíndrico e prove para ver se precisa do segundo ovo e para verificar se é necessário colocar mais sal à massa.
Até hoje nunca consegui aperfeiçoar essa técnica de provar para verificar se precisa de mais ovo. Nessa fase, só penso que estamos perdendo tempo com isso. Que se fritem logo todos os bolinhos!
RABANADASNesta época do ano, as padarias fabricam um pão mais massudo, que se chama pão de rabanada. Obviamente, ele serve para fazer as tradicionais rabanadas portuguesas para as festas de fim de ano. Na falta desse pão, não se desespere, uma bisnaga com 12 horas de fabricação, já dá para quebrar um galhão.
Pegue seu pão, corte de fatias (rodelas) de mais ou menos dois dedos de largura. A prática lhe mostrará que não é necessário expor seus dedos e nem é necessária tanta precisão. Também não acredito que esse pessoal que não tem o dedo mindinho foi por causa de fazer rabanadas. Contam outras histórias, mas enfim, são outras histórias, deixa prá lá.
Deixe o pão de lado e ferva leite. Mesmo que você vá fazer rabanadas para vender, use ferver só de um litro em um litro. Acho que não faz diferença se usar leite desnatado, mas na dúvida, use o tradicional leite C (ainda existe isso? As crianças devem achar que esse “C” é de caixa). Ah sim, fundamental que ao ferver o leite, ele esteja temperado com um pauzinho de canela e uma meia dúzia de cravos. Após a fervura, adoce com açúcar.
Paralelamente, bata seis ovos (claras e gemas) com um GARFO. Tem que ser com garfo, se não a receita não atinge seu melhor resultado. A consistência final é de ovos batidos com clara e gema. Ainda paralelamente, coloque para ferver em uma panela funda, um litro de óleo de soja. Não descuidando do fogão e do óleo a caminho da fervura, prepare uma mistura de açúcar e canela em pó, ao seu gosto. Caso resolva inverter a ordem destas atividades paralelas, nunca comece esquentando o óleo. Dizem os antigos que dá azar.
Vá mergulhando as fatias de pão, com carinho (acho que é porque sempre é feito por mãe e avó) no leite quente. Deixe que este seja absorvido completamente, e retire o excesso dando uma escorridinha apertando levemente (mãe e avó) com a mão. Logo a seguir, passe no ovo batido e coloque na panela para fritar até dourar. Vire de tempos em tempos, isso vai garantir uma certa uniformidade nesse dourado.
Após dourarem nos dois lados, retire do óleo e escorra em papel gordura (antigamente era no próprio papel da padaria que embalava o pão) e depois, polvilhe com a mistura de açúcar com canela. Muito importante: ter ajuda das filhas e noras para este prato é bom: uma fica no leite, uma nos ovos e uma na fritura. Isso garante velocidade e o machismo da família. Ah sim, coma quente, é uma delícia. Não podendo comer quente, coma frio no café da manhã, é uma delícia. Mas se quiser experimentar aquecer um pouquinho no micro ondas, é uma delícia. Só não é bom quando acaba.
FELIZ NATAL!
Deixe uma resposta