Cravo e casaca


Revolução dos Cravos VascaínaNão sei se meu avô ainda vivia em Portugal quando a ditadura Salazarista começou seu ciclo em 1926. Salazar foi o ditador fascista que impôs um longo período de trevas e atraso ao pequeno país europeu. Ao país do meu avô Manoel. Dos estúpidos 48 anos de ditadura, Salazar comandou 35. Capitães e oficiais médios, que vestiram o uniforme português em batalhas contra colônias insurgentes e contra países que anexaram outras colônias, foram os responsáveis pela revolução que a história conheceu como Revolução dos Cravos, que libertou Portugal da ditadura Salazarista e da escuridão de liberdades.

Na primavera de 1974 (no hemisfério norte) encerrou-se triste período da história portuguesa. Menos de 4 meses depois, com tristeza, despedia-me do meu avô que contava histórias, com tantas ainda para ouvir. De Salazar e da Revolução dos Cravos, nada lembro da opinião do meu avô. Imagino que ele tenha, ao menos na imaginação, pendurado um cravo no bolso da camisa no 25 de abril de 1974. Era sua repulsa ao ditador Vargas que me faz pensar assim.

Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente um velho cravo para mim
(Chico Buarque em Tanto Mar)

Das inúmeras lições aprendidas com ele, uma, torcer pelo Vasco da Gama, eu mantive até a final do Campeonato Brasileiro de 2000. O Vasco foi campeão, mas a figura patética e opressora do ditador que nos roubou o Vasco da Gama, dentro do gramado, o mesmo que vi jogar Andrada, Brito, Romário, Juninho Pernambucano, Tostão, Abel, Roberto Dinamite e dezenas de outros craques, impondo estupidamente a retirada imediata de feridos da arquibancada caída para que sua consagração como campeão brasileiro se concretizasse. Não seriam vascaínos em dor, feridos ou machucados, que atrapalhariam a coroação final.

Ali mesmo, naquele momento, assumi um compromisso de nunca mais acompanhar futebol profissional ou torcer para o Vasco enquanto a ditadura exalasse seu cheiro pútrido na Colina de São Januário. Era o que estava ao meu alcance fazer longe do Rio de Janeiro. Nunca mais assisti um jogo pela TV, muito menos fui ao estádio. Nem mesmo ler a seção de esportes dos jornais eu li esses anos todos. Perdi a referência, não aprendi o nome dos novos jogadores que iam e vinham, a maioria somando histórias tristes à história bufa do ditador.

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente algum cheirinho de alecrim
(Chico Buarque em Tanto Mar)

Na madrugada do último sábado, um vascaíno que deve ter brigado junto com o grupo encabeçado por Roberto Dinamite para conseguir uma eleição limpa, difícil sob o comando de Mugabes, distribuía cravos aos participantes do pleito que finalmente encerra um período triste e lamentável na história do time que primeiro vestiu e colocou em campo negros e pobres no futebol brasileiro.

Que o Vasco da Gama volte a ter o lugar que merece no futebol brasileiro e mundial. Não sei se a paixão voltará como antes, mas prometo acompanhar mais de perto, com um cravo na camisa. Ao menos servirá para comemorar o fim de mais um ditador. Casaca! Casaca!

Clique no player abaixo para ouvir o hino do Vasco da Gama em versão de Fernandinha Abreu e Luiz Melodia.



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10 Comentários

  • Diego Viana disse:

    Eu, se fosse vascaíno, organizaria uma grande reunião no gramado de São Januário, com autoflagelação coletiva e um enorme “mea culpa mea culpa mea magna culpa”. Eurico e seus eleitores têm 50% da responsabilidade pelo fim do futebol carioca, que teve lugar em entre 1986 e, sei lá, hoje.

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Diego!
    Concordo com quase tudo… autoflagelação tô fora. :-D
    Na verdade, me empolga mais a queda de um ditador do que a possibilidade de voltar a torcer pelo Vasco. ;-)
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Balard disse:

    Essa versão é muito boa ;-) Que venham as mudanças.

    Comentário do Pô, meu!
    Hino de time de futebol é sempre meio careta. Realmente essa versão da Fernandinha com o Melodia tem mais cara de futebol. E que venham mesmo!
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Não acompanho futebol de uma maneira geral. Não torço para time algum, e raramente assisto algum jogo, não costumo assistir sequer os da seleção. Mas do pouco que sei do assunto, espero sinceramente que o Vasco se livre dessa figura que está há tantos anos no seu comando.

    Comentário do Pô, meu!
    Grande Enio!
    Veja até onde o mau cheiro do ditador chegou? Lá em Sampa, no nariz de um cara que nem jogo da seleção assiste. É por isso que fiquei 8 anos sem acompanhar nada. Tomara que isso mude. Tomara que o Brasil mude.
    Abração,
    Nelson

  • Paulo Corrêa disse:

    Digo a mesma coisa que o Balard. Durante a minha infância e adolescência, vi o Vasco campeão por três vezes, apenas. Em 1970, ganhamos um campeonato carioca beneficiados pelo calor da Copa do Mundo do México, estando nosso adversário direto, o Botafogo, envolvido com a cessão de seus principais jogadores para a seleção canarinho do Presidente Médici (por falar em ditadura…). Tinhamos no comando de ataque o grande centro-avante Walfrido (?). Em 1974, ganhamos o título brasileiro, sabe lá Deus como. Um gol espírita do finado Jorginho Carvoeiro. Sagramo-nos campeões novamente em 1977, graças ao Horta, que nos presenteou com um time completo, com Marco Antônio, Abelão, Dirceuzinho. Atingia a idade adulta vendo o Vasco campeão por três vezes, tendo convencido apenas na última delas. Agora, a partir de amanhã estaremos sendo comandados pelo grande ídolo Roberto Dinamite, que sempre confessou ser botafoguense (até disse que virou a casaca). O que espero, sinceramente, é que ele possa nos dar mais títulos que o ex-deputado, sobretudo, que possamos, novamente, ver o Gigante da Colina disputando a Libertadores, para, quem sabe, nos fazer campeões mundiais no Japão. Confesso que não acredito muito, mesmo porque o Roberto está mais cercado de inimigos do Eurico (vide Olavinho Monteiro de Carvalho) do que de verdadeiros vascaínos. Saudações cruzmaltinas. Bjs. No primeiro título comemoramos com um Quinta do Vale Meão, boa idéia, não?

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Paulo!
    O Vasco teve algumas grandes conquistas na era do ditador. Mas também perdemos de graça Juninho Pernambucano, que nunca soube o que é não ser campeão nacional desde que foi para a França. Também tivemos que ver Junior Bahiano vestindo a camisa do Vasco. Vimos times campeões serem vendidos inteirinhos. Vimos as escolas de base desaparecerem e com elas, a formação de craques. Ou será que comprar pernas de pau é um negócio melhor? Prá ele devia ser.
    Outro dia escapuliu da minha boca que a era do ditador no Vasco foi que nem gonorréia. Antes de tudo acontecer, tomo mundo gosta. Depois, você prefiria que não tivesse acontecido. ;-)
    Tomara que esse Quinta do Vale Meão não passe da melhor época de ser consumido. Por mim, não me importo em antecipar essa abertura. :-D
    Beijos,
    Nelson

  • Vitor disse:

    Bela comparaçao, belo texto sinceramente eu já estava desanimado, o vasco que meu avô e meus familiares eram doentes, falavam com orgulho perdendo sua glória, titulos e acima de tudo sua fiel torcida e tradição.
    Sinceramente não acreditava na saída do ditador Eurico.
    Mas a democracia prevaleceu e mesmo com toda sua artimanha não foi feliz nesse tortuoso capitulo da história vascaína, que vira a página com orgulho, para talvez começar do zero, porém começar certo pelo

    e acho que agora mais do que nunca os gritos devem ecoar e o apoio deve ser incondicional

    termino ‘cantando’ um trecho da apaixonada torcida vascaína

    ”Sou vascaíno e o sentimento nao pode paraaar”

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Vitor!
    Obrigado pelo seu comentário cheio de emoção.
    Tomara que o Vasco voltea achar o seu caminho.
    Abração,
    Nelson

  • Sandra Leite disse:

    Geekman

    Você fala com uma sensibilidade incrível. Até penso em voltar a assistir F1 com Galvão. Tb penso que vou sofrer qdo deixar SP, tudo por causa dos seus textos…
    Mas paixões à parte, eu adoro futebol. Adoro. Sim, isso mesmo, mulher…e entendo mais do que muitos homens. Minha paixão hoje só me dá tristeza: Atletico-MG. Mas ouse falar mal do Galo? Sou torcedora e não simpatizante…é um estado da minha alma, não de encontro com as vitórias apenas. Seria bom se ganhasse, mas ainda é fantástico pensar no mineirão lotado gritando Galo!
    Confesso que no Rio tenho uma simpatia incrível pelo Flu. Aliás por todos, exceto o Flamengo.
    Ficou lindo o hino do Vasxsxco assim :)

    Até 4a feira, viva o FLU!!!

    PS: cade o link desse hino do Chico? :) Talvez a música mais…difícil eleger uma do Chico!

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Sandra!
    Quando eu era bem pequeno, montei o meu primeiro time de futebol com amiguinhos da rua. Um deles, tinha o pai mineiro e em uma ida à Belô, comprou as camisetas do nosso primeiro time de futebol, a branca do CAM. Clube Atlético Mineiro. :-D
    Toma o Chico…
    http://www.youtube.com/watch?v=PsJpeR2K-is&NR=1

  • Claudia disse:

    NA origem portuguesa, como a sua, aprendi a ser uma vascaína de verdade, mas confesso que ultimamente tem sido uma árdua tarefa, inclusive convencer minha filha a manter a tradição da família..rs
    Roberto Dinamite? A esperança de tempos melhores.
    Beijos

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Claudinha!
    Independente dos resultados imediatos do Vasco, nada pode ser pior que a imagem que o antigo ditador associou ao nosso time. Espero que aos poucos, voltemos ao menos, ser respeitados. ;-)
    Beijos,
    Nelson

  • Fabiano Bittencourt disse:

    Poxa, Nelson Corrêa era o nome do meu falecido avô. Como eu também era vascaíno.
    Meu avô foi carreteiro por muito tempo… também apaixonado por fórmula 1.

    Santa Coincidência….

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Fabiano!
    Que coincidência legal.
    Fico feliz de compartilhar o nome com uma pessoa cheia de bons gostos como o seu avô.
    :-)
    Volte sempre e obrigado pelo comentário.
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Augusto disse:

    Hoje, ao bater o olho no Twitter, vi que meu amigo Nelson estava assistindo ao primeiro jogo do Vasco, seu time de coração, desde a final da copa João Havelange, em 2000…
    Trackback from: http://www.paesdebarros.com.br/blog/2008/07/06/parabens-aos-vascainos/

    Comentário do Pô, meu!
    Grande Gugu!
    A bem da verdade, voltei a ver um jogo hoje. Mas não sei se voltarei a ter a paixão que tinha antes. Iria gostar muito de ao invés de inventar loteria para pagar dívidas, o governo ajudasse a profissionalizar o futebol. Times deveriam ser S/A.
    Abração e sucesso!

  • Paulo Corrêa disse:

    Acho que o Quinta do Vale Meão vai ter que aguardar e devo dizer que só será aberto em caso de título da 1ª Divisão. O Roberto Dinamite assumiu perdendo, mas estava feliz, pois teve sua imagem bem divulgada. Sua aparição no intervalo do jogo valeu milhares de votos. O nosso presidente-deputado (não me refiro ao ex-deputado) já deu mostras de que assume o clube da cruz-de-malta sem qualquer planejamento estratégico e as notícias do Vaso da semana foram pífias: o Presidente Dinamite, em revelação bombástica, disse que o Vasco jogará com os grandes do Rio no Maracanã, abrindo mão da vantagem do mando de campo, mesmo tendo que jogar contra o Botafogo no Engenhão (o que já aconteceu). Pois bem, o único, eu disse o único, time do Rio de Janeiro que tem um estádio de futebol em condições de receber espetáculos dessa natureza, vai abdicar desse privilégio, renunciando ao seu mando de campo, para disputar as partidas em um campo neutro (certamente com isonomia na carga de ingressos). Comentou-se, também, que o astro da equipe – é terrível ter que dizer que Leandro Amaral é o astro da equipe. Ah! Que saudades do Roberto Dinamite centro-avante. Este sim um astro – vai ser negociado com o Qatar. Jamais torci para o Eurico e jamais torcerei para o Dinamite, por uma razão muito simples: torço para o Vasco e o faço com a mesma paixão de sempre, a paixão que aprendi a ter com o nosso avô Manoel, este sim um verdadeiro vascaíno! Poderia estender-me muito mais, todavia, crendo que os nossos interesses sejam comuns – as vitórias vascaínas – finalizo dizendo que a única perspectiva que tenho hoje é a permanência do Vasco na 1ª Divisão, sob pena de termos que aturar o retorno do outro, muito mais soberano. Saudações vascaínas. Bjs

    Comentário do Pô, meu!
    Caro Paulo,
    Leio seus comentários sobre o Vasco com muito respeito, pois não tenho dúvida que esses oito anos longe do Vasco e do futebol me fizeram perder um pouco a ótica do tema. Mas nesse momento, mais do que achar que o Roberto Dinamite ou qualquer outro vai dar o rumo perfeito e definitivo para o Vasco, comemoro o fim da gestão que existia lá. A única certeza que tenho é que com aquela figura como sinônimo de Vasco da Gama, faço questão que não me confundam como sendo “do grupo”. Sem ele, posso pelo menos vestir de novo a camisa e torcer para que as coisas voltem ao rumo certo. Meu ideal, era que os times de futebol, não os clubes, fossem geridos como grandes S/A, mas aí o país seria outro. :-D
    Não me importo não bebermos o Quinta do Vale Meão, pois qualquer outro que seja consumido, mesmo o mais comum Carmenere chileno, nos proporcionará papos excelentes e horas muito gostosas. Agora já poderemos até falar de futebol e Vasco. Quero aprender mais contigo nesse tema.
    beijos,
    Nelson

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