Complexo de vira-lata?


Imagem: Cão vira-lataQuando a gente constata nossas incompetências e faz um alerta sobre elas, somos logo tachados como fomentadores do tal “complexo de vira-lata” proclamado por Nelson Rodrigues (discordo do famoso xará). Quando não, então dizem que estamos torcendo contra ou que não gostamos da nossa terra (cidade, estado ou país). Esta semana li uma carta de uma leitora do O Globo (adoro ler as seções de cartas de jornais) contando que sua mãe, com idade bem avançada, sofreu uma queda em casa e como conseqüência teve uma séria fratura. Infelizmente, uma situação diária comum, mas não banal, que nossos idosos sofrem constantemente.

O problema da leitora foi conseguir uma ambulância para remover, com segurança, sua mãe para um hospital especializado. Ela tinha um plano de saúde, mas seu plano não oferecia remoção por ambulância. Ela deve ter se lembrado de filmes vistos na TV e ligou para o serviço de Resgate SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – telefone 192). Claro! Ela deve ter pensado que estava complicando o que poderia ser simples, ao ligar para o plano de saúde ao invés do SAMU. Decepção. O SAMU só atenderia a sua (dela) mãe se fosse para levá-la para um hospital público. No mínimo, ela deve ter achado que o 911, serviço semelhante que existe nos Estados Unidos e que resgatou o astro milionário Michael Jackson não é público.

Hoje li no G1 (matéria) que um comerciante de Aracaju, em Sergipe, desconfiou de dois motoqueiros que estavam parados há uns cinco minutos em frente a sua loja, sem retirar os capacetes, e ligou para o serviço 190 da Polícia Militar. Abaixo, peguei no site G1 partes da conversa entre o comerciante e a atendente:

Comerciante: Bom dia, aqui tem dois motoqueiros parados só de olho. Tem mais de cinco minutos.
Atendente: Eles estão fazendo algo suspeito?
Comerciante: Para mim, estão fazendo algo suspeito. Se é motoqueiro, é suspeito ficar parado há muito tempo. Eles não são moradores da rua. Estão parados há muito tempo e não tiram os capacetes da cabeça. Não tiram o capacete.
Atendente: A placa da moto?
Comerciante: Eu não vejo. Não posso ir até lá ver. Só sei que ele está parado olhando.
Atendente: O senhor visualizou a característica dos indivíduos?
Comerciante: Não. Não conheço. Estão com capacete na cabeça, como é que vou saber?
Atendente: Eu peço que o senhor tenha as características do indivíduo para me passar.
Comerciante: Está certo. Está bom. Tchau.

A conversa ficou gravada mas nenhuma ação foi tomada. Horas depois, ao sair do depósito, o comerciante foi brutalmente assassinado pelos tais motoqueiros. E daí? O que vai acontecer com os responsáveis por esse serviço? Reclamar vai ajudar em que? Só vai servir para eu ganhar uma reprimenda porque tenho complexo de vira-lata, pois comparei nosso tosco serviço com o espetacular atendimento do 911 nos Estados Unidos. Afinal, somos uma das 10 maiores economias do mundo. Não devemos mais nada ao FMI, aliás, até emprestamos dinheiro para o FMI. Já perdoamos as dívidas que dezenas de países tinham com o Brasil e vamos perdoar mais. Temos emprestado dinheiro para nossos vizinhos de continente. Nosso sistema de saúde é um dos melhores do mundo. Nunca antes nesse país se investiu tanto em educação. Vamos realizar uma Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. E blá-blá-blá-blá.

Como diria meu velho e amado avô Manoel, meu contador de histórias preferido: “Vestimos roupa limpa e colocamos perfume, mas sem banho, continuamos com a bunda suja.

P.S. 1) Sonho com o dia que avaliaremos nossos governantes eleitos pelos seus resultados e não por sua popularidade. Esse é um sonho de verdade, hein!

P.S. 2) Eu tive uma experiência semelhante a do pobre coitado comerciante de Aracaju, registrei aqui no Pô, meu! em 8 de março de 2008 no post Um telefonema especial.

P.S. 3) Os assassinos não devem ser descobertos nunca, afinal, em cada 10 homicídios no Brasil, 9 ficam sem solução.



Você gostaria de receber as atualizações do Pô, meu! por e-mail? Clique aqui.

14 Comentários

  • Chantinon disse:

    Nelson,
    Moro em Recife, uma cidade muito violenta, e com minha grande experiencia em assaltos – já perdi até as contas de quantas vezes fui assaltado – conheço rapidamente um malandro de longe. Eu como vivia na ilusão que eu como ser singular no meio da multidão poderia fazer diferença, ligava sempre para o 190. De um tempo para cá os atendentes passaram a afirmar que você estava errado, que aqueles ali não eram marginais. Parece piada, mas bandido já começa a ser defendido antes mesmo de ser flagrado.

    Nessa semana que o Lula teoricamente passou mal aqui em Recife, ele fez uma piada durante a inauguração de um hospital, falando que poderia ser o primeiro cliente.
    Olha que engraçado… Ele passou mal e foi direto para um hospital particular. Porque ele não foi para esse que era novinho em folha?

    Sobre seu índice de 10% de solução de homicídios, é bom lembrar que somente de 1% a 3% de assassinos cumprem prisão.
    E em muitas cidades brasileira esse é o mesmo numero para casos que chegam (começam) a ser investigados.

    Resumindo, no Brasil compensa ser criminoso. A prova está ai para qualquer um ver, dinheiro na cueca não falta.

    • Nelson Correa disse:

      Meu caro amigo Chantinon, tudo bom?

      Veja que eu continuo enrolado para responder aos comentários no blog. Me desculpe.

      Mas seu primeiro parágrafo foi profético, essa semana a justiça do Rio soltou um dos assassinos do crime hediondo contra o menino João Hélio, era menor na época e agora fez 18 anos = liberdade total. Ah sim, uma ONG está arrumando levar o criminoso para a Suíça, afinal a sociedade poderia ameaçá-lo de morte.
      :-(
      Nem me fale dessa figurinha que fala em demasia. Aliás, gostaria que esses políticos que gostam tanto de falar mal dos governos paulistas parassem de buscar nos hospitais de Sampa o socorro de alto nível. Ou então que reconheçam publicamente que em São Paulo encontram-se os melhores hospitais do país, inclusive públicos.

      Eu ainda sonho que um dia a impunidade deixe de ser a nossa mais forte característica como sociedade. Serei bobão por esperar por isso?

      Abraços e sucesso,
      Nelson

  • Nine de Azevedo disse:

    OI Nelson, que estoria triste a desse comerciante ,assustadora mesmo… chavao, mas vai la:cronica da morte anunciada!nao sou adv, mas deveria caber processo a esse ou essa atendente (descaso com a vida ,sei la,qualquer coisa!abs

    • Nelson Correa disse:

      Oi Nine,

      O mesmo pedido de desculpas que fiz ao Chantinon ali em cima, vale para você também. Estou vergonhosamente lento nas respostas aos comentários.
      :-)
      Olhe, acho que a atendente deveria ter uma pena alternativa, coisa como prestar serviço comunitário em um hospital público por um ano. Mas o chefe dela, aquele que a colocou lá e nem se preocupou em treiná-la e prepará-la para uma função tão crítica, esse deveria perder o emprego público e ser condenado a prisão mesmo.

      Abraços e sucesso,
      Nelson

  • Vivian disse:

    Olá, moro no interior de SC, há uns 15 anos atrás qdo vim morar pra cá era mato, tudo tranquilo. Hoje a cidade triplicou de tamanho e os absurdos e descasos tbm! Amei seu blog, você escreve muito bem! Posso linká-lo em meus favoritos?

    • Nelson Correa disse:

      Oi Vivian!

      Meu Deus, o que você deve estar pensando sobre a péssima recepção e hospitalidade desse blog. Não pense por favor que sou metido, de maneira alguma, é falta de tempo de tocar as coisas por aqui de uma forma mais assídua. Me desculpe.

      Que pena que seu cantinho gostoso de 15 anos atrás esteja um pouco diferente hoje. Eu entendo isso. Nasci e fui criado no Rio de Janeiro. Vivi na cidade maravilhosa até 1986. Voltei há 2 anos atrás e não achei a mesma cidade que conheci. Era outra absolutamente diferente. E isso me entristece muito.

      Mas falando de coisas boas, que bom que você gostou do Pô, meu!
      :-D
      Linque à vontade. Muito obrigado pela visita e comentário.

      Abraços e sucesso,
      Nelson

  • Nadyégila disse:

    Tadinha dessa senhora que precisou da SAMU. Desculpe-me, mas desisti de acreditar no nosso maravilhoso atendimento público.
    Moro com 26 garotas em uma espécie de residência universitária, um dia uma delas passava mal e não tínhamos como levá-la ao hospital que de quebra é muito longe de onde moramos o que fizemos? Ligamos para a SAMU, falamos com o médico de plantão e ele nos disse com todas essas palavras “não é da nossa competência fazer esse tipo de atendimento”. Ei! Mas, não era uma emergência?!
    Demos nosso jeito, claro… Mas,não vou apenas ser uma patriota idiota e bater no peito de orgulho de meu país,sem admitir seus enormes defeitos.

    Bjus,
    Nadyégila.

    • Nelson Correa disse:

      Oi Nady!

      Bom ter sua visita novamente.

      Espero que sua amiga tenha ficado boa depois desse problema que você contou.

      Concordo com você quando diz que só os idiotas batem no peito com o orgulho da mentira. Sábio é quem sabe que sempre haverá muito por fazer, e se orgulhar calado do que foi feito.

      Beijos,.
      Nelson

  • Vivian disse:

    Ops, não tive nenhuma má impressão e fui muito bem recepcionada aqui! hehehe Você já está lá nos meus favoritos! Obrigado por responder!

  • Nadyégila disse:

    Nelson querido, graças não a SAMU huahuahauhau ela ficou ótima.
    E de quebra rendeu uma ótima história para a posteridade(filhos,netos e bisnetos,hehe),fomos com os bombeiros!kkkk

    Bjus de quem adora tudo isso aqui,
    Nadyégila.

  • Nadyégila disse:

    Cadê o dono desse blog ,em?
    Aiaiai..
    Bjus,saudades!
    Nadyégila

    • Nelson Correa disse:

      O dono estava de férias.
      :-)
      Vocês devem pensar que sou louco, não é?

      Faz sentido… acho que lá no fundo, bem no fundo, sou um pouco normal.
      :-D
      Estou de volta e a explicação e o pedido formal de desculpas você pode encontrar em Fim do Apagão. Eu também estava com saudades de escrever aqui e de receber a visita de todos que passam pelo Pô, meu!

      Beijos,
      Nelson

Deixe uma resposta