Carnaval, rotina de liberdade


Imagem: Desfile Cordão da Bola Preta

Atriz Leandra Leal como Porta Estandarte no desfile do Cordão da Bola Preta

Sexta-feira, seis e meia da tarde no Rio de Janeiro. Trânsito complicado, afinal hoje é dia de Av. Rio Branco fechada para o tradicional desfile pré-carnaval do Bola Preta. Sem contar que mais cedo havia chovido uma rápida e forte chuva de verão. O Bola, como é carinhosamente chamado pelos iniciados, ou na formalidade, Cordão da Bola Preta, é muito mais que um bloco de carnaval, é uma instituição carnavalesca carioca com quase um século de existência (foi fundado em 1918). E o carnaval foi e sempre será sinônimo de alegria e libertação da rotina.

Pois foi nesse cenário que embarquei no trem do metrô na estação Praça Onze, ali pertinho do coração do samba no Rio, entre o Estácio e o Sambódromo. Entrei no vagão. Havia um lugar. Entraram outras pessoas. Me sentei em frente a um casal, certamente, septuagenários. Sérios, com o olhar no espaço do tempo acompanhando os devaneios de mentes e corpos cansados pela vida.

Um casal de idosos típico do Rio de Janeiro. Ela, uma senhora de pele bem negra, com um aplique no cabelo, nítida característica da vaidade feminina das que não tem acesso às modernas escovas progressivas. Ele tinha pequenas entradas anunciando o início de uma calvície tardia sobre a pele morena brasileira. Era forte. Ambos com alguns poucos quilinhos acima do peso, pois os que lutam na batalha diária da vida não têm tempo para ficarem obesos.

Pareciam tristes. Teriam se desentendido? Talvez não. Eram um casal, seus corpos, através de seus braços, confirmavam isso, pois estavam bem encostados um no outro. Podia ser só a consequência do final de mais um dia cheio de trabalho. Eram essas as imagens que eu via como fotos, imagens instantâneas que passavam pelo obturador aberto pelos espaços que as pessoas deixavam entre eu e o casal, conforme entravam, saíam e se movimentavam pelo trem.

O vagão esvaziou na Central do Brasil, e o que eram fotos passou a ser um vídeo. O obturador estava totalmente aberto e não havia barreiras para que eu assistisse a cena final. O circunspecto casal se levanta para descer do trem na próxima estação, Av. Presidente Vargas, que devia estar movimentada, afinal era ali que se concentrava o Bola para iniciar o desfile. Ele, apesar da idade, um cavalheiro, pega na mão dela e a ajuda a se equilibrar até a porta do trem. Com a cena aberta, eu pude ver.

Ele estava vestido com uma camiseta de malha branca do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos. Nas costas uma imagem de um prato de comida vazio, com um * (asterisco) grande bem no centro. Rodeava a imagem, a frase: “Se me der eu como” (!?) Ela prendia o aplique na cabeça com um lenço branco, eu já havia reparado no lenço branco, mas não tinha lido a frase impressa nele: Bola Preta – Carnaval 2007 – Eu fui.

Quando a porta do trem abriu, tive a sensação de ouvir burburinhos e batuque vindo da avenida. Imaginei o casal sorrindo na escada rolante. Ou não.

P.S. Achei na Internet o Twitter do Bloco Carnavalesco Se me der, eu como. Em 2011 o tema eram os 50 anos do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos. Tá explicado. ;-)



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