Cariocas

Foto de Ricardo FurtadoO Rio de Janeiro em que nasci, fui criado e vivi até quase o final da década de oitenta era um local fantástico. Eu costumo brincar com amigos paulistanos que o bairrismo que existe entre Rio e Sampa pode ser resumido nas seguintes premissas: o carioca não gosta da cidade de São Paulo. Porque não tem a praia, porque São Paulo é imenso, porque São Paulo é mais formal, enfim, porque o carioca não consegue achar o “Rio” dentro de São Paulo.

Já o paulistano não gosta é do carioca. Nada contra o Rio em si, que é bonito e tem algo que paulistano ama: a praia. O problema é porque o carioca morava na capital do país, e, na capital do Brasil, sempre, por toda a eternidade, rolaram falcatruas e mamatas com o dinheiro do Brasil, 40% dele gerado por São Paulo sozinho.

Mas eu prefiro justificar nossas diferenças em cima de outro cenário. Quando eu era garoto, eu colocava um chinelo ou tamanco, uma sunga e camiseta e me mandava para a praia de ônibus. Do Humaitá até Ipanema, compartilhávamos a condução com outras pessoas indo para a praia, ou indo para o trabalho. Biquinis e bundinhas sentadas, secas é claro, ao lado de ternos e vestidos sérios e comportados. Tudo em perfeita harmonia, nos proporcionando uma visão aberta e despreconceituosa. Que mano pegou um ônibus da freguesia do Ó para Moema com uma mina de biquini ao seu lado? ;-)

Mas nos últimos vinte anos o Rio mudou muito. Talvez ele tenha mudado pouco ou quase nada, mas eu, por ter andado por tantos lugares diferentes, experimentei modelos que o Rio ainda não experimentou em sua evolução. Alguns exemplos: o bilhete de uma viagem no metrô custa R$ 2,35, mas em algumas estações do centro é possível comprar o mesmo bilhete, do lado de fora, com “cambistas” (!?) por R$ 2,20. E não teve Força Nacional que mudasse isso. Ainda falando em cambistas, para dificultar o trabalho deles, a famosa casa de espetáculos Canecão não vende mais de um ingresso por pessoa. Impressionante não é? Experimentei, eu e minha mulher (duas pessoas), ir comprar três ingressos (eu, ela e a filha) para um show e não pude comprar. Só os que custavam mais de 60 reais podiam ser comprados em quantidade maior que um ingresso por pessoa. Tudo isso porque o poder público não consegue impedir que cambistas armem seus negócios impunimente na porta da casa de espetáculos.

Falando em espetáculo, que espetáculo é o conjunto de passarelas subterrâneas para atravessar as pistas em frente ao Shopping Rio Sul e Canecão. Um segurança em cada esquina da passagem subterrânea. Em contrapartida, ontem entre 12:30h e 13:30h não havia um policial na orla da praia do Flamengo até a praia de Botafogo. A diferença é que a segurança da passarela é privada e a da orla é pública. Acho que isso tem deixado o carioca mais retraído, preocupado. Quando me mudei para a cidade de São Paulo, os três vizinhos de andar fizeram questão de tocar a nossa campainha e nos dar boas vindas. Enquanto aqui no Rio, para onde me mudei e divido minha semana com Sampa desde junho passado, só consigo cumprimentar um vizinho de prédio quando pego ele de surpresa e nossos olhares se cruzam. Se não, sempre passam de cabeça baixa ou olhando para o lado. Até os porteiros devem me achar louco: toda vez que me abrem a porta eu agradeço.

É lamentável, pois uma das grandes vocações do Rio é para o turismo. O Rio continua com sua beleza geográfica intacta (ou quase intacta). Que outra metrópole tem um pôr do sol tão lindo por trás do morro Dois Irmãos e da Pedra da Gávea? Que outra paisagem urbana é mais bonita que a Lagoa Rodrigo de Freitas? Se alguém conhecer alguma, me leve para eu constatar. Mas desde Brizola, um gaúcho (nada contra os gaúchos) que não gostava do Rio e usou o espírito receptivo do carioca para seus objetivos pessoais e fracassados, que o Rio só perde, perde e perde. Quando aparecerá um político que definitivamente goste do Rio e faça a virada do Rio? Quando o carioca vai deixar de ser bobão e aprender a colocar no comando gente com capacidade? Espero ainda poder ver isso acontecer. Só não quero nunca, mesmo adorando São Paulo, perder meu espírito de carioca.

Você gostaria de receber as atualizações do Pô, meu! por e-mail? Clique aqui.
Tags: ,

12 Comentários

  • Nelson, você é um dos cariocas mais paulistas que já vi na vida. Ainda tô pra conhecer algum paulista que se considere tão carioca assim.

    Essa característica sua é um ponto a favor para por um fim a esse bairrismo que não leva a lugar algum.

    Comentário do Pô, meu!
    Grande Norberto!
    Eu e todos os cariocas que sabemos gostar de São Paulo, somos a nata da esssxxxperteza carioca. Ou seria o topo da inteligência paulistana? Enfim, aproveitamos o melhor das duas cidades, de coração aberto. Mais que todos os bairristas juntos. ;-)
    Abração,
    Nelson

  • Daniel disse:

    Parabéns Nelson,
    Definiu bem o que também acho sobre ambas cidades e seus moradores, independentes de suas origens.
    Moro no Rio e AMO isso aqui, mas confesso adorar SP(Só pra polemizar, digamos que dispenso os paulistas…rs! brincadeira!!)
    Parabéns pela página.
    Forte Abraço.
    Daniel

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Daniel,
    Obrigado pela visita e pelo comentário.
    O desafio é entender e curtir São Paulo. Eu acho que consegui. :-)
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Sandra Leite disse:

    Sou de BH mas moro em SP. To fora da briga…em tese mais próxima de SP do que do Rio. Gosto muito de SP , mas o Rio….continua lindo (ai ai ai)
    ADORO o Rio e os cariocas.
    Adoro os SSSSS. :-) E tudo mais que diferencia o Rio não apenas de SP mas de todas as cidades do mundo. É linda demais!!!
    Não fui eu quem disse, foi a Adriana Calcanhoto:

    CARIOCAS SÃO BONITOS
    CARIOCAS SÃO BACANAS
    CARIOCAS SÃO SACANAS
    CARIOCAS SÃO DOURADOS
    CARIOCAS SÃO MODERNOS
    CARIOCAS SÃO ESPERTOS
    CARIOCAS SÃO DIRETOS
    CARIOCAS NÃO GOSTAM
    DE DIAS NUBLADOS
    CARIOCAS NASCEM BAMBAS
    CARIOCAS NASCEM CRAQUES
    CARIOCAS TÊM SOTAQUE
    CARIOCAS SÃO ALEGRES
    CARIOCAS SÃO ATENTOS
    CARIOCAS SÃO TÃO SEXYS
    CARIOCAS SÃO TÃO CLAROS
    CARIOCAS NÃO GOSTAM
    DE SINAL FECHADO

    Comentário do Pô, meu!
    Sandra,
    Não tem briga nenhuma aqui. Só constatações e experiências.
    Adoro Sampa e quero um Rio igual ao que vivi 20 anos atrás.
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Lucia Freitas disse:

    Viva, Nelson
    Fiz um delicioso passeio por lugares que não conheço no Rio. Onde pago a passagem? Deu uma saudades da Cidade Maravilhosa…
    Valeu, meu anjo.
    bjs

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Lucia,
    Assim ainda é deliciodo, pois tem muita gente que consegue mostrar os ângulos ainda lindos do Rio. Mas eu quero o Rio de volta. Não estou pautando, mas o Jabor falou justamente desse Rio que a gente sente falta na coluna publicada hoje Brasil a fora em diversos jornais. ;-)
    Quanto à passagem, pros amigos é de graça. Aproveite sempre! :-D
    Bjs,
    Nelson

  • Desejo muito conhecer o Rio.

    O acesso está muito fácil, pois tenho uma ponte aérea aqui do lado, mas ainda é cedo para eu pensar em viagens desse tipo.

    Eu vejo a mídia em geral se aproveitar de fatos e manterem críticas chocantes quanto a violência do Rio, mas acredito que isso seja um exagero as vezes.

    Um bom exemplo disso foi na semana dos ataques do PC* por aqui, o país estava tendo uma visão de guerra, todo mundo vinha me perguntar se era possível sair de casa, enquanto eu levava a vida normalmente, onde em apenas um dia eu tive a preocupação de voltar mais cedo para casa.

    Abraço Nelson.

    Comentário do Pô, meu!
    Grande Helder,
    Tenho usado carro só em São Paulo. O Rio é bem menor e os locais que tenho que ir podem ser alcançados com facilidade de metrô ou a pé. Fora que o táxi é muito mais barato. E não vejo tiroteios ou situações semelhantes à praça de guerra. Mas como você bem lembrou, aqui em Sampa nós tivemos aqueles dias do P*C, ontem mesmo à noite, vi no Bom Dia Brasil de hoje, o Rio viveu situação parecida na beira de uma favela. Mas qualquer cidade do mundo tem áreas que você deve evitar em determindados horários. O negócio é que o Rio está mesmo abandonado há uns 20 anos. Na verdade, você tem duas opções: 1) esperar melhorar para ir visitar as maravilhas do Rio, ou 2) ir logo enquanto dá para visitar as maravilhas do Rio. :-)
    Grande abraço,
    Nelson

  • Sandra Leite disse:

    Já está lá no Isso é Bossa Nova!

    bjs

  • Manoel Moreira disse:

    O melhor do Rio – a topografia de fato bonita e ímpar
    O pior do Rio – violência , custo de vida , cariocas pilantras(taxistas , flanelinhas ,etc)
    e cariocas bairristas ao extremo que acham que moram no paraíso e
    desprezam(desdenham) outras cidades e estados
    O melhor de Sampa – o comércio(espécie de lazer) e serviços.
    O pior de Sampa – o trânsito caótico

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Manoel!
    Obrigado pela visita.
    O desafio que me imponho é aproveitar e aprender com o melhor de cada uma delas. ;-)
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Luiz disse:

    Autor do texto, você pode substiutir o final do seu depoimento…”perder meu espírito de carioca” por “perder meu espírito de porco, já que a palavra “carioca” também significa “porco doméstico”.

    • Nelson Correa disse:

      Caro Luiz,
      Obrigado pela visita e por sua participação. Gosto muito de ouvir a opinião das pessoas que passam por aqui.
      Todavia, se puxarmos a origem da palavra carioca, chegaremos aos índios Tupis que habitavam essa região quando os portugueses assumiram estas terras. Em Tupi, carioca tem a sua origem na fusão de duas palavras: kari + oca, que significa a casa do branco. Portanto, independente dos significados posteriores, da boa ou má vontade, carioca é antes de tudo, um estado de espírito. O ideal é usá-lo como tempero para outras formas de vida, como o paulista, o alemão, o norte-americano, etc. Puro, pode ser de gosto muito forte para determinadas pessoas não acostumadas com o tempero.
      ;-)
      Abraços e sucesso,
      Nelson

  • Barbara Borges disse:

    Olá Nelson,
    É a primeira vez que me interesso em fazer comentários em um blog. Isso porque sou uma fluminense (rsrsrsr), que se passa por carioca em São Paulo… Confesso que não faço questão em desfazer o equívoco dos que confundem carioca com fluminense, o que demonstra claramente como amo o Rio de Janeiro.Concordo plenamente com a sua idéia de que, para os cariocas, o problema é não encontrar o Rio dentro de São Paulo. Não há nada pessoal contra os paulista (ou paulistanos).
    Gostei muito do texto e espero passar mais vezes por aqui!

    • Nelson Correa disse:

      Oi Barbara,

      Que vergonha! Na sua primeira vez comentando em um blog, te deixo sem nenhuma resposta, nenhum contato. Se eu fosse emo, agora, nesse momento, eu primeiro ligaria para a ambulância e depois cortaria (superficialmente) o pulso. Ainda bem que não sou.

      Mas isso não livra a minha cara pela falta de educação. Me desculpe. Você pode ler em Fim do Apagão os motivos e o pedido formal de desculpas.
      ;-)
      E como vai sua relação com Sampa? Não tentou procurar o Rio aí, certo? Ache Sampa e você vai ficar maravilhada. Eu estou com saudades de Sampa.

      Volte sempre que quiser e acredite, sua contribuição é muito bem vinda.

      Abraços e sucesso,
      Nelson

  • joão pedro disse:

    gente vamos rezumir(O RIO É,E SEMPRE FOI MELHOR QUE SÃO PAULO)pronto simples.

Deixe uma resposta para Lucia Freitas Cancelar resposta