O Dilema da Fórmula-1

A Fórmula-1 é a categoria do automobilismo que tem os melhores pilotos, pois é a categoria que tem mais dinheiro envolvido. É ótimo para os aficcionados.

A Fórmula-1 tem tanto dinheiro envolvido porque os grandes fabricantes e patrocinadores estão presentes para mostrar que seus produtos são os melhores. Péssimo para os aficcionados.

Eu sou um desses aficcionados, aliás apaixonado. Qualquer corrida de veículos com quatro rodas, me faz parar para ver. Essa paixão começou no exato dia do meu aniversário de 9 anos. Meio de semana, lá no final da década de 60. Alguns parentes muito próximos estavam lá em casa. Um deles, meu primo mais velho, o Beto. Ele deve ter entre 6 e 8 anos a mais que eu, e era assim como um ídolo para mim, pois fazia coisas que ainda estavam um pouco longe da minha possibilidade de fazer por conta da idade.

O presente do Beto foi me levar no cine Roxy de Copacabana para ver um filme chamado Grand Prix – filmado em 1966 (*). Esse filme me marcou profundamente, além de ter sido um marco também pelas tomadas e posições de câmera. Também pelas divisões da tela em três fatias verticais, cada uma com uma tomada diferente. Às vezes com a visão da pista, ou dos pés do piloto, ou o pensamento que passava por suas cabeças no momento da corrida, enfim, acho que o diretor John Frankenheimer embelezou e facilitou minha paixão à primeira vista com o automobilismo.

Mas voltando ao dilema da Fórmula-1. Ontem nós tivemos no calendário, a prova que há vinte anos considero a mais chata da Fórmula-1 (exceto a primeira em 1986). O circuito de Hungaroring na Hungria é quase tão impossível de ultrapassagens como é o de Mônaco, com a diferença de não ter o charme de Mônaco. Mas foi a primeira corrida de Fórmula-1 em um país comunista.

Nos últimos anos, essa chatura de pista vem apresentando corridas cada vez mais chatas. Pois o alto poder de investimento tecnológico da Fórmula-1 vai tornando a habilidade e coragem de um piloto para fazer ultrapassagens, algo de um passado cada vez mais distante. A tração das rodas é controlada para garantir que derrapagens sejam evitadas. Freios podem reduzir a velocidade dos carros a poucos metros das curvas, não é mais necessário prender a respiração, entrar no vácuo e frear depois para fazer uma ultrapassagem.

Mas um apaixonado acorda cedo no domingo para ver até essa corrida cada vez mais chata. Até porque, ultimamente a velha emoção só se faz presente quando chove, e em vinte anos de Grande Prêmio da Hungria nunca havia chovido. Mas ontem choveu! Como a natureza consegue subverter todo o script certinho que os homens prepraram para o show das máquinas. É sob a chuva que vemos a diferença entre os grandes pilotos e os medíocres. É com a pista molhada e com quase nenhuma visibilidade que a verdadeira emoção da Fórmula-1 volta a se apresentar. Que corrida fantástica esse Grande Prêmio da Hungria corrido ontem!

Ao final da corrida fiquei imaginando como seria interessante que a tecnologia fosse usada para se criar pistas molhadas para voltarmos a ter toda a emoção de uma corrida de Fórmula-1. Mas logo veio outra idéia terrível. É possível que no futuro, essas grandes empresas que bancam o circo da Fórmula-1 usem seu poder econômico ou sua tecnologia, para cobrir as pistas e nunca mais a chuva atrapalhar seu show. Talvez só percebam o erro quando não mais houver apaixonados como eu para assistir.

(*) Clips do filme:
1- 29 segundos de uma tomada onboard em Spa Francorchamps;
2- Se tiver tempo e máquina, esse clip de quase 11 minutos dá uma boa idéia do filme na corrida de Monza;
3- Esse outro é uma condensada do anterior com apenas 2 minutos.
Atualização 29/03/2009:
Como os donos do direito do filme vivem removendo os vídeos do Youtube, se você quiser assistir alguma cena, clique aqui e escolha.

P.S. Beto, obrigado pelo presente dos meus 9 anos. ;-)

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