Os cravos não morrerão jamais
- Por Nelson Correa
- 25 abril, 2009
- 6 Comentários
Hoje eu lembrei do meu avô. Meu avô que é a minha maior inspiração aqui no Pô, meu! Meu avô que foi o maior contador de histórias, dentre todos que ouvi contar histórias. Boa parte dessa minha vida valeu e tem valido a pena. Mas para valer 100%, só se eu puder um dia, provocar nos meus netos, pelo menos 50% do carinho e do amor que ele provocou em mim e na maioria dos outros netos.
Meu avô era português. Veio para o Brasil novo, foi comerciante de carvão. Ele era o dono de uma carvoaria nas Laranjeiras (Rio de Janeiro). Ele, como todos os demais comerciantes, era obrigado a ter um retrato do “velho” (Getúlio Vargas) pendurado na sua loja. Mas como ele não gostava do velho, não permitia que limpassem a fuligem de carvão que encobria a cara do ditador.
Meu avô era um amante da liberdade e da democracia. Talvez por respeito ao país que o acolheu, ele não comentava com os jovens netos sobre a ditadura militar brasileira. Mas pude ouvir dele, algumas vezes, sua posição contrária à ditadura salazarista em Portugal. Do atraso causado ao país, que em suas histórias me ensinou a admirar, e que ele sempre sonhou voltar. Mesmo quando eu o provocava, falando bravatas sobre o tamanho do “meu” país comparado com o “dele”. E o país dele, apesar de nunca ter sido, sempre foi um pouco meu também. E ele nunca deixou de amá-lo.
Em 1974 eu tinha somente 15 anos, descobrindo o poder da adolescência, cheio de amigos, já não passava mais as férias de fim de ano, quase inteiras, na casa do meu avô e da minha avó no bairro do Catete. Meu avô já não jogava mais boliche comigo na vila em que ele morava. Ou seria eu que não jogava mais boliche com ele? Ele não me levava mais para jogar peladas de futebol no Aterro do Flamengo e depois sentava-se sob a sombra de uma árvore, olhando de longe os netos pegando jacaré nas ondas, ainda mergulháveis naqueles tempos, da praia do Flamengo.
Não íamos mais ao Parque Guinle, ao Parque do Palácio do Catete e muito menos ouvia suas histórias. Histórias que apesar de tê-las ouvido incontáveis vezes, pedia para serem contadas novamente. Sabia de cor cada trecho, do João Grande e do João Pequeno, do padre que descobre que uma das mulheres da sua vila tem um amante, do sacristão que resolveu sacanear o padre e tantas outras… “Quem quer ir pro cêu?”, gritava João Pequeno em busca de sua vingança, carregado de sotaque português.
Mesmo estando menos junto dele do que quando era garoto, lembro de uma comedida vibração do meu avô com a queda do regime salazarista. Foi na madrugada do dia 25 de abril de 1974, logo depois da meia-noite. Uma canção, Grândola, Vila Morena de autoria do compositor português Zeca Afonso, proibida pelo regime salazarista, foi a senha tocada na rádio católica portuguesa. Começava aí a Revolução dos Cravos que libertou Portugal de uma ditadura de quase 50 anos.
Neste mesmo 1974, 3 meses depois, meu avô nos deixava. Sinto saudades dele. Sinto não ter aprendido todas as suas histórias para poder contar para meus filhos e meus netos. Sinto não conhecer mais detalhes daquele homem que nos útimos 10 ou 15 anos de vida convivou com um problema no coração que quase abreviou toda essa história, mas que foi o único homem que convivi em toda a minha infância e adolescência que lavava a louça. Minha vó, a Morena como ele carinhosamente a chamava, portuguesa também, era quem cozinhava, mas ele é que lavava a louça.
Aprendi muito com ele. E meus eventuais futuros netos saberão que eu, como o meu avô, amamos a liberdade e lutamos contra qualquer forma de governo que cerceie a liberdade. Abaixo as ditaduras. Abaixo o salazarismo. Viva os 35 anos da Revolução dos Cravos. Viva Portugal. Vive, para sempre, o meu avô Manoel! O meu cravo vermelho.
Ouça Grândola, Vila Morena, na voz da grande fadista Amália Rodrigues, aqui em baixo, no player do Youtube ou clicando aqui.
Nelson hoje é aniversario do meu filho caçula.Qdo ele nasceu ,no exato momento do parto, eu escutava e torcia junto com a equipe do hospital silvestre ai no RIo pela votaçao da emenda do Dante pelas diretas ja.No radio passsava da votaçao a comemoraçao dos “Pa”!Ai tocava a musica Vila morena.Tb é feriado na Italia da segunda guerra.Grande data!Minha avo tb era senhora de muitas estorias como seu avo e muito querida por mim, e eu estou indo no mesmo caminho dela…E viva a democracia e a liberdade!bjs
Oi Nine,
Que data poderosa não é?
Olha, eu acredito que existem datas onde determinadas coisas acontecem com mais facilidade.
Parabéns para o seu filho. E viva a liberdade!!! \o/
Beijos
Primeira leitura do meu domingo. Lembranças que trouxeram lágrimas (e ele é uma lembrança diária na minha vida).
Li todo seu post e fiquei aqui pensando qual tema foi sua real escolha: a revolução dos cravos ou nosso vô?
Kisses
Naturalmente o aniversário da Revolução dos Cravos foi o estopim. Mas o post foi em homenagem ao seu Manoel Corrêa.
;-)
Beijo
Deu vontade de ter conhecido seu avô.
Nelson, porque você não encara um livro de crônicas?É sempre surpreendente o desfecho;)
já to na fila de autógrafos :P
beijos
Oi Sandra,
Somente por um motivo: meu senso crítico não me liberou ainda.
:-D
Mas se for por conta do autógrafo, faço no papel de pão mesmo.
Obrigado.
beijos