Vô num í
- Por Nelson Correa
- 19 março, 2011
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Triimmm – triimmm – triimm – triimm
– Ô meu Deus, o telefone tocando e ninguém atende? Tô na cozinha, ora!
Triimmm – triimmm – triimm – triimm
A mulher larga os afazeres domésticos e vai atender o telefone na sala onde está o marido acabrunhado, sentado na poltrona só dele, cabeça baixa e queixo apoiado nos braços sobre os joelhos. Ela chega correndo e atende.
– Alô!
– Oi seu Gilberto, tudo bem? Deixa eu ver se ele está em casa…
Ela tapa o fone do telefone e se virando para ele, pergunta?
– É seu Gilberto, tá insistindo em falar contigo.
Ele não move um músculo sequer. O velho continua com o olhar para o infinito do chão sem nem tirar o queixo apoiado nas mãos.
A mulher volta ao telefone.
– Seu Gilberto, ele saiu… Não sei… talvez jogar bola ou encontrar os amigos e tomar um conhaque… assim que ele voltar peço pra ligar pro senhor… um abraço pro senhor também.
Isso tá chato demais. Você parece que tá doente. Que besteira isso. Troca esse pijama… escova os dentes… toma um café ou até abre uma cervejinha, já são mais de 10 da manhã. Hoje é sábado ora! Reclama a mulher voltando para as suas atividades.
Triimmm – triimmm – triimm – triimm
A mulher volta da cozinha apressada e o marido ainda catatônico na sala, TV ligada no Canal Brasil e ele ainda olhando o infinito para o chão.
– Ai meu Deus, que coisa chata esse telefone e esse marido que parece uma estátua na sala.
– Alôu!
– Como vai a senhora? … tá bom, como você tá?… acho que voltou ainda não… deixa eu ver.
Fone novamente tapado, ela se dirige para o marido.
– É ela, a dona. Quer porque quer falar contigo. Diz que tá com pressa, que tá muito enrolada. Fala com ela…
Sai um muxoxo da boca dele. Já é um avanço para quem não pronunciava nada há pelo menos 24 horas.
Ela volta ao telefone.
– Olha, ele não voltou não… Como? Péra um minuto…
A mulher tapa novamente o fone e com a expressão de surpresa, se vira para o marido.
– Ela disse que sabe que você está em casa, será que tem câmera secreta ou microfone escondido aqui em casa? O que falo com ela?
Além de outro muxoxo, ele agora sacudiu os ombros. Um enorme avanço.
– Olha, você sabe como ele é… o que?… manda um avião? em 90 minutos estará aqui no aeroporto?…
Ele tira a cabeça das mãos e deixa de olhar o infinito, ficando atento à conversa da mulher ao telefone.
– … mas… o dele? Ah claro… não poderia mesmo não é? (risinho nervoso)… um jatinho… claro… tá ótimo…
– Ele desaba novamente e afunda a cabeça quase entre os joelhos.
Ela nem tapa mais o fone do telefone e fala ríspida com ele.
– Luiz Inácio, quer fazer o favor de vir falar com a presidenta! Ela quer você no almoço com o Obama. Que coisa feia homem!
Ele ainda com a cabeça baixa e o olhar perdido, finalmente responde.
– Ir para esse almoço e ser mais um junto com Sarney, Collor, Itamar e ele… sem contar que ele fala a língua do Obama, pode até chegar e falar no ouvido dele o que quiser. Comigo o Obama nunca veio aqui, estou quase acreditando no Marcaurélio que dizia que aquela história de ser o cara foi coisa da CIA para me amolecer. Eu até gostei… mas não admito e não perdôo Obama pelo telefonema na época do Nobel… diz prá Dilma que vô num í não.
Trilha sonora (no Youtube)
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