A capela da UFRJ
- Por Nelson Correa
- 29 março, 2011
- 9 Comentários
Eu comecei a namorar em um dia 22/02. Foi em uma festa na minha casa, onde tínhamos um terceiro andar que era só um salão, pois o telhado da casa ia afinando para a parte de cima. Nós chamávamos esse salão de sótão, e ele tinha todas as paredes com pôsteres diversos, a maioria de carros e mulheres bonitas (não explicitamente nuas), um sofá (ah, esse sofá!) e uma mesa de sinuca. Tínhamos também um belo equipamento de som e muitos, mas muitos discos de música (os LPs de vinil), onde reinavam harmoniosamente todas as variantes do rock and roll, do pop dançante “mela cueca” até uma grande coleção de clássicos da música erudita.
Houve uma época, hormônios em erupção, que fazíamos muitas festas no sótão. Qualquer coisa era motivo para uma festa. Mas também tínhamos motivos especiais, e aquele 22 de fevereiro, um sábado, era especial, pois comemoramos o aniversário (20/02) da prima Mônica que morava em Belém-PA e estava passando as férias conosco, no Rio. Pois foi nessa festa que tomei coragem e pedi a Cris para namorar enquanto dançávamos agarradinhos Candle in the Wind do Elton John. E ela topou!
Anos depois, resolvemos casar, se casava cedo naquela época, queríamos ter mais liberdade, comandar nossas vidas, dominar o mundo, transar sem culpa, não necessariamente nessa ordem. Eu tinha ganhado um anel de ouro que fora do meu querido avô Manoel (minha inspiração aqui no Pô, meu!). Mandei derreter o anel e fiz um par de alianças, fininhas, para sermos diferentes dos nossos pais, que usavem grossas alianças. Em um feriado enforcado de 1 de maio, a minha família toda viajou. Chamei uns amigos em casa para ouvirmos música e bater papo. Quando fui deixar a Cris na casa dela, já alta madrugada de sexta-feira (02/05), estacionei o carro em frente ao prédio dela, em uma rua sem saída do Jardim Botânico. Podia-se fazer isso sem medo naquela época. Peguei no bolso a caixinha da aliança e dei para ela, perguntando se ela queria casar comigo. Só nós dois, na madrugada dentro do carro.
Isso provocou uma grande revolta lá em casa, pois apesar de “moderninhos” meus pais ficaram indignados por eu ter ficado noivo sozinho, sem compartilhar com todos aquele momento. Queriam uma festa mais formal. Pouco depois relaxaram e nem devem mais se lembrar disso. Os pais da Cris, digamos… “mais caretas”, aceitaram numa boa. A ideia era casar um ano depois disso, pois noivado demorado, me ensinou um amigo mais velho e experiente, só não era pior para transformar os noivos em irmãos do que ir ao banheiro de porta aberta. Dizia-me ele, que isso acaba, ao longo do tempo, com qualquer tesão. Essa regra vale até hoje para nós: banheiro é sagrado.
O problema é que queríamos casar na Capela do campus da Praia Vermelha da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Cris tinha iniciado a faculdade lá (depois o curso mudou para o Centro) e o local é lindo até hoje. Mas qual o problema? Eles só faziam um único casamento por semana, aos sábados, e a fila era enorme. Ainda bem que davam prioridade aos alunos, e conseguimos um sábado de julho do ano seguinte para marcarmos a cerimônia de casamento, seria no dia 24/07. Eu adoro essa brincadeira do acaso (?) nos números das datas de nosso namoro (22/02) e a data do “noivado” (02/05), que somadas dão a data do casamento (24/07). Legal, não é? Quase místico. :-)
Por que a capela da UFRJ, quando havia outras igrejas muito mais na moda e badaladas para casamento na época? Pela simplicidade de sua beleza. Por estar incrustrada no belíssimo prédio da UFRJ, por estar livre de chateações em caso de chuva, com local para todos estacionarem seus carros, e do tamanho ideal para que nossos amigos, familiares e amigos de nossos pais lotassem, literalmente, a capela, dizem que noivas adoram essa visão.
Ontem essa capela foi incendiada e destruída pela falta de cuidado, responsabilidade e carinho com patrimônio histórico. Durante uma reforma, um curto ou uma soldagem, enfim, algo que deveria ser pensado de antemão, fez o telhado, o assoalho e outras estruturas que eram de madeira, serem consumidos rapidamente pelas chamas. Adianta procurar responsável? Sei lá. Mas adianta criar um protocolo de procedimento para reformas em prédios históricos para preservá-los do nada fortuito, acidente destruidor.
Nestes links do Flickr tem algumas fotos do local. Neste, umas fotos do meu casamento. Aqui uma visão panorâmica do prédio com a capela ao centro. Aqui o incêndio de ontem. Um dos pátios internos do prédio. Um corredor. A capela vista de cima, do mezanino do órgão. Vista interna da capela.
Sótão, Candle in the wind, alianças no carro… Êta “nóis”! Toda aquela beleza elegante transformada em carvão, quase inacreditável ter sido causado pela firma que estava “cuidando da reforma. Pelo menos, a tristeza serviu de inspiração , né, amor? Tudo se vai, mas as memórias e sentimentos ficam cristalizados em emoção.
E de presente, um Drummond eterno
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão
Sempre ficarão.
;-)
Beijão,
Nelson
Estou aqui tentando NÃO imaginar o que significa “ah, esse sofá!”. Nem quero saber o que acontecia nele. A imagem é meio perturbadora. kkkk
Excelente texto, como todos.
Ô Pedrão,
Deixa isso prá lá.
Valeu!!! :-)
Abraços e sucesso,
Nelson
O artigo literalmente me transporta no tempo. Vivi parte daquela epoca em companhia dos amigos Nelson e Cristina e de suas familias.
Festas no sotao… Sera que fui a alguma? Ia mais frequentemente para la em tardes e noites normais, conversar e usufriur da atmosfera genial. Carregar as baterias com a Familia inspiradora em ambiente e em pricipios que, sem que eu percebesse, dava-me referencias e lastro para que, com animo, o adulto navegasse o futuro. Ali brinquei, me diverti e conheci outros amigos. Fonte de riqueza.
Interessante que, sempre que me lembro deles, aquela casa e seu sotao sao lembrancas muito recorrentes.
Quando vi a noticia sobre o incendio o primeiro pensamento que me veio a mente foi o dia do casamento de Nelson e Cristina mas, ingenuamente nao imaginei que este artigo no Po Meu viesse tao rapido…
La estive uma unica vez – no dia do casamento! Tudo lindo e em uma harmonia perfeita: predio, pessoas, anfitrioes. Um momento brilhante! Creio que impregnou a todos.
Incendios e desatres acontecem, independente de causas e causadores. Sobre tudo que de material existe so ha a certeza que acabara mas, queremos retardar.. reter… perpetuar…perenizar…
Os recursos tecnicos para restauracao de monumentos arquitetonicos com certeza trarao o predio de volta a vida e ao esplendor de seus dias passados.
Nao tera certamente o mesmo cheiro, a madeira nao rescindira a mesma resina e os degraus sulcados pelo tempo testemunha de tantos episodios la nao estarao para contar-nos estorias e tocar-nos a alma.
Naquele caso, o resgate do que chamo “memoria de entranhas” so se da via as pessoas ligadas de uma forma ou outra. Este artigo e um exemplo. E um comeco!!!
Fez me sentir o cheiro do predio… ver a cor de paredes que ja se foram… sentir sob os pes o desnivel de degraus que arderam.
Fica a sugestao aos queridos amigos que, uma vez restaurado o predio, facam la uma missa, que podera ser de aniversario de casamento e assim continuem para la de artigos e de poemas a reimpregna-lo da mesma materia que la lhes foi dada e que floresceu. “..E a semente cresceu formosda deu mangueira verde de manga rosa…”
Se possivel la estarei!!!
Beijos
Jose
Grande Zezinho!
Festas no sótão acho que você não pegou não, nós nos conhecemos na faculdade e o sótão foi antes disso. Mas certamente você deve ter estado naquela reuniãozinha de 1 de maio da história. ;-)
Mesmo sem os antigos cheiros, torço para que consigam restaurar o prédio. Ainda bem que nossas lembranças, sejam as visuais ou olfativas, sobrevivem a estes incidentes.
Beijos garoto!
Nelson
Zezinho,
Para reforçar suas lembranças, veja a foto abaixo. Esse Dodge você se lembra, não é? :-D
Abração,
Nelson
Uma biópsia do que sobrou da capela em fotos e excelente texto da professora Beatriz Resende.
http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/posts/2011/03/31/fotos-incriveis-relato-emocionado-do-incendio-na-ufrj-372098.asp
Eu sei que isso soa cafona, mas não tenho outras palavras:
“o mundo era mais legal há algum tempo atrás”.
Adorei a historia e só posso desejar felicidade eterna.
PS: não recebi esses últimos posts via e-mail, será que tem algo errado?