Vida ao vivo

Vida ao vivo na Rodoviária do TietêSexta-feira, 5h da tarde. Acabei de estacionar o carro no Terminal Rodoviário do Tietê. Vou de carona para o Rio. O meu caroneiro ainda estava preso no trânsito da Marginal Pinheiros. O jeito era sentar e esperar. Com aquela quantidade de carros na rua, ele ainda demoraria aproximadamente uma hora. Ou mais.

Como ninguém estava me vendo, abusei e comprei um copinho de sorvete de baunilha polvilhado de Ovomaltine no Bob’s. Não sei por que, mas acho que isso me faz um mal danado, mas é bom demais. Escolhi uma das pracinhas de bancos enfileirados – não fumantes por favor – e me sentei para gastar o tempo assistindo às pessoas que passavam de lá prá cá e de cá prá lá, saboreando lentamente (por isso prefiro o copinho ao invés da casquinha) meu sorvetinho cremoso com pedrinhas de chocolate maltês.

Assistir a pessoas é um clássico que está cada vez mais na moda. Acho que os escritores de romances ou os de novela fazem esse exercício para criar suas personagens. Que ambiente rico! As pessoas passam com pressa enquanto outras seguem com a tranqüilidade dos que sabem que vão chegar. O jovem de pouco mais de vinte anos, usando um topete estilo Elvis, engomado, encontra um conhecido e pára para conversar. Eu juro que não sabia que a moda estava voltando.

Por eles, passa um homem de 40, mais ou menos 5 anos, com uma peruca estilo cantor de música sertaneja. – Cara, se você soubesse como fica ridículo visto daqui da platéia, talvez assumisse a careca. Mas o que me impressiona são as mulheres sobre saltos altos e finos, que caminham com a destreza de quem está caminhando de tênis nas pistas do Parque do Ibirapuera. Já outras… coitadas, sofrem para colocar uma perna na frente da outra em cima daqueles aparatos, que lhes devem torturar, e ainda assim manter um rumo equilibrado.

Surpresa mesmo é com a coragem de muitas mulheres gordinhas, que despudoradamente usam camisetas curtinhas, deixando relaxadas banhas penduradas para o lado de fora das calças. As minhas ninguém vê na rua. – Olha o careca da peruca de novo! Pô, meu! é horroroso. Parece um E.T. sobre a cabeça dele. E ele deve se achar o máximo. Se está feliz, então está bem.

O casal gay que estava comprando passagem agora passeia olhando vitrines. Nossa, aquela mulher que saiu do elevador pisa forte, caminha feito homem. Se ela gostar de homem, seria bom alguém avisá-la para dar uma relaxada nas passadas. Tem um menina sentado ao meu lado desenhando um crânio e colocando o nome de cada um dos respectivos ossos. E ela já desenhou outras partes do esqueleto. O desenho é ótimo. Futura desenhista ou futura médica? Quem sabe alguém na profissão errada?

Funcionário da rodoviária passa levando um cego ao seu destino lá dentro. Outro funcionário empurra uma cadeira de rodas com o senhor gordo para a loteria esportiva. Opa, seguranças (5 ou 6) arrastam um carinha estranho, muito nervosinho, para o posto policial lá fora. Boa! Pegaram o ladrão. Mais uma funcionária conduz um cego ao seu destino. Tanto esse jovem cego quanto o outro, mais velho, sorriam muito e conversavam animados com os jovens funcionários que os conduziam. Que alegria contagiante!

O namorado da menina à minha direita chegou com a última onda de pessoas vindas do metrô, direção Sé, envergonhado, nem dá um beijo de paixão na namorada. Eu sei que ele queria dar, mas foi só um abracinho formal. No caminho de volta para o metrô, ele passa o braço sobre o ombro dela e encostam as cabeças. Numa época de Big Brothers será que se encabularam com a platéia?

6:12h marca o grande relógio pendurado no teto, quase sobre a minha cabeça. Meu celular toca. A carona está chegando. – Te espero lá embaixo, em frente ao guarda-volumes. Ganhei uma hora de aprendizado enquanto minha carona não chegava. Real, tridimensional, com formas e cheiros diferentes. É rica a vida ao vivo na rodoviária. Rio, here I go again!

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9 Comentários

  • É incrível como você consegue tirar experiências proveitosas apenas observando a vida. É claro que não se aprende muita coisa, caso contrário os mendigos seriam homens muito sábios, mas com a devida atenção você pode até perceber que fazia coisas que acha horrível e não sabia… Muito interessante.

    Comentário do Pô, meu!
    Caro Romullo,
    Valeu a visita e o comentário.
    Observar, observar e observar. Essa é uma grande qualidade se você conseguir praticar. ;-)
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Sandra Leite disse:

    Nelson, o cronista (só falta ser o Rodrigues)

    Cara, acho muito bacana você perceber pessoas no seu entorno. Não é clássico, Nelson. É cult!
    Entender o universo do outro nunca esteve tão na contra-mão da história. esses dias dentro mesmo do elevador do meu prédio, vi que todos falam “Bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”, mas seus olhos não se cruzam. Parece medo. Essa nossa incapacidade de nos tornar humanos e rir de nós mesmos me entristece.
    Especialmente num dia de domingo, ensolarado e na cidade de SP.

    Abraços,

    Comentário do Pô, meu!
    Pô, Sandra,
    Só o “Rodrigues” do Nelson, nos coloca, nelsons, à centenas de quilômetros de distância um do outro. Haja chão. :-)
    Quanto ao cumprimento do vizinho, faço questão absoluta de surpreender a maioria dos meus vizinhos, cumprimentando-os, em alto e bom som, olhando-os nos olhos. Um dia eles adotarão o mesmo procedimento.
    Não esqueça do protetor solar.
    Abraços,
    Nelson

  • FMatt disse:

    Sensacional =)

    Nelson, és um grande observador, de primeira classe hehehe

    Já vi em algum lugar que alguns escritores iam até o aeroporto para se inspirar, mas acredito que a Rodoviária do Tietê é muito melhor :P

    ps. o 5º parágrafo me fez rir ALTO :P

    abraço querido =)

    Comentário do Pô, meu!
    Pô, Franco,
    Observar gente é o maior barato. Aeroporto o corte é restrito, lá por cima da pirâmide, as pessoas estão na maioria das vezes usando disfarces, personagens, rodoviária é muito rico. Dependendo do seu texto, você escolhe rodoviária ou aeroporto. Existem outros também fortes, como emergência de hospitais, delegacias ou o estádios de futebol em um Corínthians x Palmeiras, como o de hoje. ;-)
    Cara que bom que você riu. Fazer rir é uma arte difícil mesmo. Mas eu até gostaria de não ter vergonha de colocar meus 10kg extras para fora do short quando caminho nos finais de semana no Aterro do Flamengo, sob o Morro do Corcovado.
    Obrigado!
    Abração,
    Nelson

  • Se uma hora já rendeu isso tudo, imagina um dia! Dá para escrever um livro…

    Comentário do Pô, meu!
    Olá Thiago,
    Quem sabe minha incapacidade para um conto que seja, muito mais para um livro, se deva a minha pouca disposição para ficar olhando as pessoas na rodoviária do Tietê. ;-)
    Mas acredito que um dia de observação deva ser suficiente para montar as personagens de um livro.
    Abraços e sucesso,
    Nelson

  • Grande crônica do dia-a-dia, Nelson!
    De fato, é a melhor forma de observar as pessoas. Sem contar que corre o risco de um desconhecido puxar conversa e desabafar com você seus mais íntimos segredos.

    Comentário do Pô, meu!
    Ô Enio,
    Segredo é segredo.
    Se forem íntimos então, nem se fala. Não dá para “cronicar” com segredos íntimos , mesmo de desconhecidos. ;-)
    Depois eu prefiro observar.
    Abração,
    Nelson

  • Isa disse:

    Ótimo! Ótimo, mesmo!
    São tantas pessoas que se movimentam freneticamente, tantas histórias escondidas em suas memórias, tantas aventuras que nunca saberemos como aconteceram.
    Você, no entanto, imaginou o que poderiam ser, o que supostamente desejariam, o que deveriam estar sentindo, enquanto apenas as observava, filosofando com seus botões (seu sorvete, na verdade).
    Esta é a riqueza de um homem que sabe aproveitar uma hora de silêncio em meio ao caos da vida!

    Beijos!!

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Isa,
    Eu adoro momentos de silêncio, são todos proveitosos. Acho que é uma contra-partida pela minha extrema necessidade de falar. :-D
    Pelo menos aquela gente não é carnívora. ;-)
    Beijos não rabugentos,
    Nelson

  • Chantinon disse:

    Existem certos lugares que são incriveis para ver o tempo passar…
    Rodoviárias, aeroportos, shoppings.. é um estudo social em flashes rápidos.
    A Gol já me fez ficar 12 horas, divididas entre Congonhas e Guarrulhos…
    Para mim foi super divertido.
    Era copa do mundo, dia de jogo do Brasil, e eu não gosto de futebol.
    Esse dia particularmente foi engraçado, torcedores, gringos, velhinhos voltando para casa depois de um fim de semana com os filhos em SP…
    A diversidade é a coisa mais linda desse universo, exatamente assim como você descreve tão bem!

    abraços

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Chantinon!
    Obrigado garorto!
    Realmente, o melhor desse Universo, particularmente do ser humano, é a sua diversidade.
    Tô contigo e não abro.
    Abração,
    Nelson

  • Diego disse:

    Salve, Nelson.

    Engraçado, semana passada comecei a escrever um texto que começava assim “Para entender o homem, é necessário olhar para ele.” Acabei largando o texto porque tinha que fazer outras coisas, mas é uma pena que não o publiquei: poderia ter dado um link para este seu post, como exemplo do que eu queria dizer!

    PS: Ovomaltine do Bob’s, hein… Não nega as origens!


    Comentário do Pô, meu!
    Grande Diego,
    Vai dizer que aí na Cidade Luz não tem Ovomaltine?
    Mas pode acreditar, aquele Bob’s que tinha em Copacabana, não é igual a esses que existem hoje. Desses de hoje, só a parte de sorvetes: milkshake e agora esse sorvetinho de baunilha salpicado de Ovomaltine. :-D
    Acho que o texto aqui do Pô, meu! não interfere no que você queria publicar lá no Para Ler Sem Olhar… lá seria bem mais denso. ;-)
    Abração e manda um beijo prá Carlinha (sem o Sarkozy saber)
    Nelson

  • Dayse Corrêa disse:

    Brother, realmente hoje estou achando ótimo ler seus textos. Enquanto lia este fui me lembrando que eu mesma, quando sobrava tempo nos corredores do fórum, sentava para um breve descanso, um café e etc e tal. Ali eu passava boa parte do tempo de descanso observando as pessoas que passavam para lá e para cá. Algumas conseguiam passar como que em uma passarela, porém, absolutamente perdidas!!!! Imagine como vc reagira em vendo o tal homem da peruca (concordo, ridículo, tão ridículo quanto pintar os cabelos que, independentemente da cor, irão sempre cair naquela cor meio… meio… rs) vestindo um “belo e fashion” terno verde abacate, com uma camisa social abóbora e uma gravata branca combinando com belos pares de sapatos brancos? Aguentaria, na mesma tarde, ver “entrar na passarela” uma fina (fina de magra mesmo) senhora de meias arrastão (aquelas trançadas) pretas, sapatos prata, vestido preto, cinto muito largo dourado? É meu irmão, lembrei dos tempos que me sobrava o tempo para sentar no fórum e ri muito. Talvez vc estivesse ali, na rodoviária, tendo as mesmas reações que eu. Entretanto, aqui entre nós, como será que os que tiveram um tempo nos enxergou? rs… Kisses brother!

    Comentário do Pô, meu!
    Hi sister,
    Uma das coisas mais interessantes que conheço é sentar em uma cidade desconhecida e olhar as pessoas passando na sua frente. É fantástico.
    Quanto a você não posso supor, mas quanto a mim, devem ter achado estranho esse cabelo vermelho. :-)
    Beijos,
    Nelson

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