Saga épica
- Por Nelson Correa
- 8 agosto, 2013
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Decidimos inscrever o David Campista Futebol Clube no torneio juvenil do campinho de futebol do Largo dos Leões. Era um tanto quanto louco, pois nossas idades estavam mais para sub-15 que por volta de 18 anos. Mas a paixão pelo futebol e pela competição alavancou a coragem daquela garotada. Começamos na rua, eu fiquei responsável por gerenciar receitas e despesas, manter um histórico dos nossos jogos, escalações, gols marcados e etc. Arrumei algumas camisas velhas de futebol que eram do meu pai. Eram verde escuro com golas amarelas.
A tia do Pedroca (nosso goleiro), costureira por profissão, foi “convidada” a cortar cruzes de malta que desenhamos com carinho, como a do Vasco da Gama, só que amarelas, para combinar com as camisas e bordar dentro delas, em linha verde escura, D.C.F.C., de David Campista Futebol Clube. A maioria de nós morava na Rua David Campista, no bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro. Ficaram bonitas, o time agora tinha personalidade própria, não éramos apenas garotos vestidos com camisetas gigantes que um dia foram usadas até o fim por adultos.
O campinho não existe mais há décadas, um grande prédio de dois blocos acabou com o melhor campo de futebol público de todo o Humaitá e adjacências. Mas ainda existia então, e lá foram jogados torneios espetaculares. O grande campeão da época, o Palmeirinhas, um time muito forte e que tinha um craque, certamente era um adulto baixinho, o Nelsinho, era imbatível ali naquele campinho de 8 na linha (ou seriam 9?) e um no gol. Estávamos cientes de nossas limitações, mas antecipar o tempo e competir antes de termos “tamanho” era excitante.
Foi excitante, até que virou preocupante, quase broxante. O David Campista Futebol Clube foi sorteado para jogar a primeira partida, eram eliminatórias, com o Palmeirinhas. A broxada durou até a véspera do jogo. Eu quase não dormi. E se ganhássemos do Palmeirinhas? Seríamos os heróis do torneio. Fomos ao campinho na manhã daquele domingo para jogar o jogo mais importante da história gloriosa do David Campista Futebol Clube. Jogo iniciado. Eu marco o Nelsinho. Falta. Eles tocam aqui, tocam ali, e mais acolá e gol. 1×0 Palmeirinhas. Seria fácil, devem ter pensado. Mas qual, disputávamos cada bola como se fosse nossas vidas. Endurecemos. E …
GOOOOOOOLLLLL do David Campista. Quase choramos de alegria, todos abraçados comemorando. Fim do primeiro tempo: 1×1. Empatamos meio jogo com o imbatível Palmeirinhas. Isso era épico! Foi nossa Batalha de Termópilas, e eu deixei o campo para o intervalo me sentindo Leônidas, o general de Esparta.
E isso tudo por que? Na verdade, qualquer timinho, e até qualquer David Campista Futebol Clube pode ter seu momento épico. Todavia, na história do futebol brasileiro, épica é a saga vivida pelo Clube de Regatas Vasco da Gama para se impor frente aos grandes e poderosos times da elite carioca, como: Botafogo, Flamengo e Fluminense. O Vasco nasceu dentro da colônia portuguesa e cresceu nas divisões inferiores até chegar à primeira divisão em 1923. Contestado por usar atletas negros e pobres, o Vasco estreou contra tudo e contra todos, e foi campeão carioca de 1923.
Vergonhosamente, a elite da Zona Sul carioca, aqueles três ali em cima, se recusaram a jogar o mesmo campeonato dos negros e dos pobres, eles eram rycos amadores e os atletas do Vasco recebiam para jogar, já que nenhum tinha família abastada para não precisar trabalhar, como eles, os outros. Em 1924 expulsaram o Vasco que jogou em outra liga. Foi campeão invicto. Houve tentativa de reunir as ligas dos ricos com a do Vasco. Porém o Vasco da Gama, pobrezinho, não tinha um estádio, e eles, os ricos, tinham: Estádio de General Severiano, Estádio da Gávea e Estádio das Laranjeiras, todos podendo receber aproximadamente 3.000 torcedores.
Os cruzmaltinos fizeram uma vaquinha, arrecadaram dinheiro, compraram um terreno no bairro proletário de São Cristóvão, construíram e inauguraram em 1927 o maior, eu disse, o MAIOR estádio das Américas (Sul e Norte), onde naquela época, cabiam mais de 30.000 pessoas. Depois superado pelo Estádio Centenário de Montevideu, por outros e pelo Maracanã. Ainda é o maior estádio particular do Rio de Janeiro. Os outros acabaram ou servem hoje para treinos ou para jogos do Palmeirinhas contra o David Campista Futebol Clube.
O final da nossa partida épica? E precisa? Tá bom… Como na história dos Trezentos de Esparta, os heróis do David Campista Futebol Clube lutaram de igual para igual com o exército do Rei Xerxes, digo, com o Palmeirinhas do craque Nelsinho. Saímos ao final do primeiro tempo, com um empate de 1×1 arrancado na raça, na determinação, na superação e na fúria. Ao final do jogo, eu e os demais heróis da Rua David Campista vimos, cabisbaixos mas orgulhosos por nossa bravura, o Palmeirinhas arrancar para a segunda rodada, em direção a mais um título, com uma vitória definitiva por 8×1.
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