Primeiro, foi ódio

Minha relação com a Língua Portuguesa, sempre foi de amor e ódio. Adoro ler e escrever. Mas detesto Gramática. Como pode isso? Como pode não sei. Na verdade, tenho algumas histórias sobre essa relação conflituosa e apaixonada. Até o final do antigo primário, que na escola que estudei – Escola Municipal Joaquim Abílio Borges (Rio – RJ) – era de seis anos, nunca tive dificuldades com o aprendizado da Língua Portuguesa.

Nessa época, a paixão era jogar futebol na rua onde morava, a David Campista, no bairro do Humaitá. Lembro de uma professora, responsável por nos ensinar os 6 tempos de conjugação verbal, que nos enchia de dever (lição em paulistês) de casa, listava dezenas de verbos para conjugarmos em todos os tempos aprendidos. A garotada ali em baixo, na rua (eu morava em uma casa), chutando a bola nas paredes das casas, driblando um ao outro, e me chamando para completar o time. Mas eram muitos verbos… que angústia para terminar logo!

Nessa época descobri a produção em série. Escrevia o tempo da conjugação, escrevia os pronomes pesoais (pesquisei para lembrar esse nome), escrevia o radical ao lado de cada pronome, até o último verbo da lição (dever em carioquês) de casa. Depois saía colocando as terminações, numa corrida frenética para acabar logo e ir jogar bola. Era tranqüila minha relação com a Língua Portuguesa: ela não me incomodava, eu a aturava.

Ao final da quinta série, podíamos optar por fazer concurso para as escolas mais procuradas ou estudar mais um ano e, após a sexta série, dar continuidade cursando o que era conhecido como ginásio. Meus pais, junto com os pais de dois amigos (Paulinho e Juninho) nos colocaram para estudar com professores particulares para sermos preparados para o tradicional e dificílimo concurso do Colégio Pedro II. Aí começa meu conflito com a Língua Portuguesa.

A professora de Português contratada para preparar os três meninos para o grande desafio, era uma distinta senhora. Vestia-se com classe e formalidade, morava em um apartamento térreo em Copacabana, talvez em uma das esquinas da Rua Toneleros, como só era possível para as professoras de 40 anos atrás. Nos recebia com elegância e bastante maquiada. Ela fumava na aula (classe em paulistês)! No meio dos estudos, no exato momento que ela decretava o intervalo, surgia do nada, uma empregada uniformizada trazendo uma bandeja com sucos, biscoitos, sanduíches e/ou bolos, para recuperarmos a disposição. Não entendíamos como a empregada sabia a hora certa. Depois de algumas semanas de aulas e lanchinhos, descobri uma campainha sob o espesso tapete da sala. Não havia mágica, só uma chamada eletrônica camuflada, que disparava o alerta para a cozinha e a curiosidade do menino.

A professora, que a bondade do tempo me fez esquecer o nome, insistia em listar dezenas, talvez umas duas centenas de palavras do livro de textos, para que trouxéssemos na próxima aula, cada uma das palavras com a devida classificação sintática e classe gramatical (seriam esses os termos?). Eu nunca consegui aprender isso. Errava mais de 70% do exercício. Não havia jeito de aprender Português. Quase desisti do concurso. Tomei ódio das aulas de Português, mas passei bem colocado para o Colégio Pedro II.

Lá, alimentei e desenvolvi uma paixão por Ciências e Matemática. Os números me seduziam e enfeitiçavam. Até hoje somos íntimos. E a Língua Portuguesa? Os dois primeiros anos, foram de belicismos entre nós. No terceiro ano, um professor me mostrou que não havia razão para tanto ódio. Que olhando por outro ângulo, poderia ser um relacionamento muito interessante. E não é que ele estava certo! No quarto ano, uma doce professora me seduziu e mostrou como canalizar e transformar aquele ódio, em paixão pelas palavras. Devo minha iniciação a ela. Mas isso é assunto para outro post.

Você gostaria de receber as atualizações do Pô, meu! por e-mail? Clique aqui.

2 Comentários

  • Luma disse:

    O que sempre me salvou foi ler demais. Eu interpretava os textos e fazia as redações como ninguém da sala de aula, mas na hora da prova de gramática…eu nunca soube perguntar para o verbo. Álias, nem sou muito de perguntas.
    Lembro de uma professora de português, que me adorava e que chegou a me passar cola! :) É, aconteceu! Beijus

    Comentário do Pô, meu!
    Oi Luma!
    Eu nunca ganhei cola da professora de português. Uma vez eu dei cola de português (era prova de Literatura) para quase meia turma. Eu sabia tudo. Mais da metade da turma tirou 10. Eu, apesar de ter dado a cola, marquei alguma coisa errada e tirei 9. Foi a única chance de tirar um 10 em Português. Mas não liguei não.
    Volte sempre, sinta-se à vontade.
    Beijos,
    Nelson

  • Eu me lembro de uma vez ter perguntado a uma professora de português por que é que eu tinha de estudar análise sintática. A resposta dela quase me derrubou da cadeira: “Porque, se algum dia você resolver ser professor de português, vai precisar saber”. Um detalhe importante é que esta pérola foi cometida em um curso que formava técnicos em análises clínicas, não exatamente pessoas que pensariam em um dia serem professores de português.
    Anos mais tarde, graças a ler alguns autores um pouco mais didáticos que a pobre professora, compreendi a importância daquele conhecimento para uma escrita correta. Mas o estrago já estava feito.
    A nossa língua não é exatamente fácil, e tem minúcias que enganam muita gente. Seria importante termos um bom investimento na formação de professores que realmente soubessem e conseguissem ensiná-la, e não jogassem as regras “por obrigação” na nossa cara.

    Comentário do Pô, meu!
    Ênio,
    Concordo com você. Por esses motivos que você tão bem listou e por conta da minha total incapacidade com a Gramática é que arrumei uma Personal Teacher. :-D
    Abração,
    Nelson

Deixe uma resposta