Alguém peidou


Tive um colega na escola, se não me engano foi no ensino médio, que tinha o estranho e péssimo hábito de proclamar o óbvio, e nada mais. Quando todos esperávamos uma confissão, ou quem sabe, uma revelação, ele parava e não dizia nem mais uma palavra.

Imagem: Familia real britânica em evento no palacio

Vou ser mais claro e direto, ou você vai achar que ainda estou de porre das festas de final de ano, para batizar o primeiro post de 2010 com esse título. Uma vez (houve outras) estávamos super concentrados fazendo uma prova bem difícil. Nem um ruído na turma de 40 alunos, todos voltados para a folha em branco sobre as carteiras, quando o Almeida constata o óbvio:

– Alguém peidou.

Uns já haviam percebido, outros estavam percebendo, e os mais distantes perceberiam em breve. A turma toda olha para ele na expectativa da confissão. Almeida levanta as mãos até a altura do peito, com os braços paralelos e balançando a cabeça de um lado para o outro, sussurra:

– Não fui eu.

Imagem: Familia real britânica em evento no palacio

Aleixo, um paraibano magro e alto se antecipa à turma e manda rápido e baixo para não chamar a atenção do professor que tomava conta da prova:

– E quem foi então, Almeida?

Almeida na posição que estava, só fez um giro com as mãos, uma mexida na testa com contração da boca e ombros para para frente. A clássica resposta de “não sei” dada pelo corpo. E todos voltamos nossa concentração para a prova sem saber quem estava próximo de tirar um zero, mal a aferição do aprendizado havia começado.

Imagem: Familia real britânica em evento no palacio

E que fato disparou no meu cérebro lembrança tão escatológica, deve estar perguntando a amiga leitora. Eu te digo. Domingo passado (03/01/2010) abri o O Globo e li uma pequena entrevista do ministro Joaquim Barbosa, feita pela jornalista Carolina Brígido. Em determinado momento (reprodução abaixo), o ministro Joaquim Barbosa declara que o Judiciário é um dos principais responsáveis pela impunidade que alimenta a corrupção no Brasil.

Li a outra pergunta da réporter, fui até o fim da entrevista, voltei para o início e não achei a pergunta que eu teria feito, que seria pedir mais detalhamento ao ministro (quem, como, onde, quanto, etc). Aí me lembrei da discussão que o ministro Joaquim Barbosa teve como ministro Gilmar Mendes (presidente do Supremo Tribunal Federal), em abril (28/04/2009) do ano passado. Naquela ocasião, o ministro Joaquim Barbosa insinuou que o ministro Gilmar Mendes estava destruindo a Justiça do Brasil.

Em ambas as situações, guardadas as devidas proporções (gigantesca distância) e profundo respeito (a mais elevada consideração), o ministro Joaquim Barbosa me lembrou muito o Almeida, meu colega de escola. Será ainda reflexo das comemorações de reveillon?

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Entrevista do ministro Joaquim Barbosa ao O Globo em 03/01/2010

Carolina Brígido – O GLOBO: O senhor é descrente da política?

JOAQUIM BARBOSA: Tal como é praticada no Brasil, sim. Porque a impunidade é hoje problema crucial do país. A impunidade no Brasil é planejada, é deliberada. As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz.

O GLOBO: A quais instituições o senhor se se refere?

JOAQUIM BARBOSA: Falo especialmente dos órgãos cuja ação seria mais competente em termos de combate à corrupção, especialmente do Judiciário. A Polícia e o Ministério Público, não obstante as suas manifestas deficiências e os seus erros e defeitos pontuais, cumprem razoavelmente o seu papel. Porém, o Poder Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país. A generalizada sensação de impunidade verificada hoje no Brasil decorre em grande parte de fatores estruturais, mas é também reforçada pela atuação do Poder Judiciário, das suas práticas arcaicas, das suas interpretações lenientes e muitas vezes cúmplices para com os atos de corrupção e, sobretudo, com a sua falta de transparência no processo de tomada de decisões. Para ser minimamente eficaz, o Poder Judiciário brasileiro precisaria ser reinventado.

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Diálogo entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes no plenário do STF em 28/04/2009

JOAQUIM BARBOSA – Vossa Excelência me respeite, Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país, e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faz o que eu faço.

GILMAR MENDES – Eu estou na rua, ministro Joaquim.

JOAQUIM BARBOSA – Vossa Excelência não está na rua não, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso.

JOAQUIM BARBOSA – Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.

GILMAR MENDES – Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite.



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2 Comentários

  • Chantinon disse:

    Nelson,
    A corrupção ainda é a maior fonte de tudo que existe de errado nesse país. Para completar, o mundo inteiro vive (ou revive) um sentimento de “falta de chão”. Quando criança eu sabia que poderia escolher a quem me espelhar ou usar como exemplo, e hoje? o que fazer?
    E socialmente, como será daqui para frente?
    Avançamos em tecnologia, mas retrocedemos a barbarie, é cada um por si, e contra todos, mas todo mundo com cara de bonzinho.

    • Nelson Correa disse:

      Como vai meu amigo Chantinon?

      Concordo em parte com o que você disse. Realmente nós aqui no Brasil hoje temos menos referências do que tínhamos no passado. Realmente o avanço tecnológico foi muito maior que o social. Mas eu acho que existiu um avanço social na humanidade, e tenho esperança que ele chegue aqui no Brasil também.
      ;-)
      Abraços e sucesso,
      Nelson

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